quarta-feira, 18 de maio de 2011

O enigma de Canudos

Por muitos anos, o Brasil tentou entender Canudos. O movimento liderado pelo carismático Antônio Conselheiro no interior da Bahia se tornou famoso dentro e fora do país. A história oficial o classificava como um movimento de restauração monarquista, no entanto um jovem jornalista mandado para cobrir o ataque derradeiro ao arraial de Canudos atacaria fortemente essa imagem com seu relato. Relato esse que se transformou num dos maiores livros da literatura brasileira - Os Sertões.

Euclides da Cunha chegou na região de Belomonte pensando que iria cobrir a repressão á uma conspiração monarquista, afinal era o que o governo dizia que se tratava. No entanto, enquanto esteve lá acabou descobrindo que não era o ideal monarquista que movia os sertanejos de Canudos, mas as palavras de Antônio Conselheiro. Euclides não viu pessoalmente o líder do movimento, apenas escutou o que falavam sobre ele. A pesquisa de Euclides não foi aprofundada e nem podia ser, já que estamos falando de uma cobertura jornalística e sabemos que no calor da hora deixamos muita coisa passar.

Euclides da Cunha
Euclides era antes de tudo um intelectual. É importante lembrarmos que no momento em questão, a passagem do século XIX para o XX, a linha central de pensamento no Brasil e na Europa era o evolucionismo. O jornalista interpreta Canudos e o sertanejo através desse viés. Segundo Euclides, o meio e a raça originou o desastre de Canudos e não a monarquia. O sertanejo é um personagem que herdou alguns defeitos das raças que o formaram (européia, africana e indígena), mas que para sobreviver ao isolamento imposto pelo Estado e as péssimas condições de vida impostas pelo sertão tornou-se uma criatura forte e rude, mas pouco desenvolvido intelectualmente. Assim, um louco como Antônio Conselheiro poderia facilmente manipulá-los.

Na Ilustração de Angelo Agostini, Antônio Conselheiro impede que a República chegue ao sertão.
A interpretação de Euclides é totalmente determinista e se faz sentir na estrutura de seu livro: ele se inicia falando do meio (A Terra) e em seguida do sertanejo (O Homem), para enfim falar da guerra de Canudos (A Luta). Essa estrutura demonstra a tese de Euclides: o meio criou esse homem que criou essa luta. Ele absolve o sertanejo da culpa, afinal a culpa é do meio, mas continua condenando o movimento. Para ele, Canudos era um movimento de pura bárbarie. Interessante é que já existia uma oposição na maioria dos pensadores da América Latina entre a bárbarie e a civilização. A bárbarie estaria no interior, no sertão, e a civilização no litoral, nas cidades.
Ou seja, Euclides tenta compreender o movimento, nisso ele se diferencia dos demais jornalistas da época. No entanto, ele não é capaz de enxergar uma racionalidade nele. A causa estaria simplesmente no meio e não nos homens, afinal estes homens são bárbaros. É preciso lembrarmos os limites de Euclides: ele é um intelectual embebido do ideal evolucionista, republicano convicto e um homem eminentemente urbano. Isso tudo influenciou sua interpretação.
O peso de Euclides para as nossas Ciências Sociais, contudo, é enorme. Ele é o primeiro a tentar entender a complexidade do movimento. Além disso, Euclides era um intelectual muito crítico: no seu livro mais famoso ele não critica somente o nordestino por ter sido ludibriado por Conselheiro, mas também o governo por não acabar com esse isolamento. A missão do governo seria civilizar o sertão e isso em nenhum momento foi pensado, em sua opinião. Com ele se inaugura uma visão corrente em nossa sociologia: a idéia de dois Brasis. O Brasil real e o Brasil oficial, um que guarda nossa verdadeira identidade e outro que pensa forjá-la.

Maria Isaura Pereira de Queiroz
Por muito tempo, seu livro é tomado como a obra definitiva sobre Canudos - demorou-se a perceber as limitações de Euclides. Na década de 1960 começa-se a questionar sua visão: substituímos o determinismo geográfico pela condição social. O homem deixa de ser instrumento do meio para ser um sujeito histórico. Canudos não é mais vista como um episódio de loucura no interior do sertão, mas como uma luta contra o poder dos coronéis e uma reação á miséria extrema. Canudos seria uma tentativa do sertanejo montar seu mundo ideal: possuir uma propriedade sem ter de se tornar jagunço de algum coronel. Nessa linha de interpretação vemos principalmente Maria Isaura Pereira de Queiroz e Rui Facó. Há ainda a interpretação de Duglas Teixeira Monteiro que enxerga em Canudos a defesa de uma identidade cultural através da religião que é ameaçada pela Igreja Católica que nesse momento deseja construir uma religião pura e não mais influenciada por crendices populares ou outras religiões.

A pergunta fica: o que realmente produziu Canudos? Foi o meio? A condição social? A defesa da sua indentidade religiosa? Canudos foi um enigma para o pensamento social brasileiro a partir do momento em que foi polemicamente destruída e continua sendo até hoje. No próximo post tentarei dar algumas humildes pistas sobre Canudos e suas interpretações.

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