A historiadora Jacqueline Hermann, em um artigo para uma coletânea de trabalhos sobre o Brasil Republicano organizado por Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida Neves Delgado, nos dá algumas pistas sobre Canudos.
A historiadora Jacqueline Hermann, ao lado do historiador Bruno Cerqueira, fala em Simpósio do Instituto D. Isabel. |
Jacqueline tem como objetivo nos apresentar as interpretações que foram feitas no decorrer dos anos pelos historiadores sobre os movimentos messiânicos populares (Juazeiro, Canudos e Contestado). Sua tese é que estes movimentos tiveram um fator em comum: a situação da Igreja Católica durante a República Velha.
A proclamação da República foi um alívio para a Igreja que desde o império se via limitada pelo sistema de Padroado, onde o imperador poderia intervir constantemente nas ordens do Vaticano. No entanto, a Constituição de 1891 assustou a Igreja Católica pela quantidade de medidas seculares, como o casamento civil, o ensino público laico, etc. O medo de perder sua influência e a posição em que se encontrava a instituição no momento (de combate ás ideologias modernas como o liberalismo e o comunismo, através do que ficou conhecido como movimento de Romanização) levou a Igreja a criticar veemente o novo regime.
D. Antônio Macedo Costa, bispo do Pará: maior defensor da Romanização e crítico da República. |
No entanto, depois dos primeiros e confusos anos de República, ambas as partes parecem ter chegado a um acordo: o poder da Igreja não foi mais contestado pelo governo e a Igreja parece ter se expandindo com o consentimento das oligarquias que governavam o país (nessa época aumenta-se o número de dioceses no Brasil, seminários são construídos e até uma elite dentro da Igreja se aproxima das elites locais).
Para Hermann, esse fortalecimento institucional não foi acompanhado de uma aproximação com o povo. A Igreja podia ter assegurado sua influência, mas ela não tinha controle ainda sobre seus fiéis. A maior prova são estes movimentos de que falamos.
Ilustração do Arraial de Canudos. |
Depois de analisar as interpretações sobre Canudos (euclidiana e "progressista"), a historiadora tenta desvendar o real caráter do movimento interpretando as prédicas (os pequenos livretos) escritos por Antônio Conselheiro e confiscados pelo governo. Essas 49 prédicas foram consideradas por Euclides da Cunha como pobres papéis de um desvairado, enquanto o historiador Duglas Monteiro as interpreta como a defesa das suas concepções políticas e sociais e de suas crenças religiosas por um sertanejo letrado. Delas, a maioria fala sobre as dores de Maria, algumas sobre os dez mandamentos, um texto versa sobre passagens dos evangelhos e os demais sobre assuntos diversos, circunstanciais - dentre eles a República.
O corpo de Antônio Conselheiro, 1897. |
O que Hermann enxerga nessas prédicas não é uma proposta de reforma agrária ou loucura pura, mas uma defesa de medidas que a Igreja, desde o Concílio de Trento séculos antes, tentava implantar no Brasil, como a valorização da missa, da confissão e do culto á Virgem Maria. Conselheiro não é um revoltoso, ele ceita sua sujeição á Deus e á sua representante na terra, a Igreja Católica. O que ele não suporta na República é justamente esse cárater laico, afinal nosso governante não é mais sagrado pela Igreja, ele não tem mais respaldo de Deus, mas do voto. Para ele, "todo poder legítimo é a emanação da Onipotência eterna de Deus e está sujeito a uma regra divina (...)". A historiadora então fornece sua própria interpretação do movimento: a luta de Antônio Conselheiro não era messiânica, pois ele não se arrogava esse status (talvez a população tenha criado esse vulto), mas era uma espécie de combate ao novo regime exatamente por ele ser laico. Conselheiro aceitaria a sujeição, desde que o governante fosse sagrado pelo poder divino através da Igreja. Segundo Hermann, "a ética conselheirista é a do sofrimento resignado ás leis supremas, e em seus escritos não há qualquer promessa de vida eterna, fim dos tempos, previsões escatológicas ou salvação incondicional".
A Igreja de Santo Antônio no Arraial de Canudos. |
Ao final de seu artigo, a historiadora propõe que as variadas interpretações sobre esses movimentos sejam vistas não como erros, mas como contribuições para um entendimento mais completo sobre eles. Os historiadores não discordam sobre a origem destes movimentos: a distância entre a Igreja Católica e o Estado para com o povo. Todos divergem quanto á natureza desses movimentos: se era de cárater político, religioso, social ou cultural? Jacqueline Hermann aponta que estas interpretações possuem seus defeitos e suas qualidades, afinal todas são filhas do seu tempo, mas que devemos ter em conta principalmente a sua contribuição para um maior conhecimento sobre estes movimentos.
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O artigo em questão se chama Religião e política no alvorecer da República: os movimentos de Juazeiro, Canudos e Constestado, presente no livro O Brasil Republicano: o tempo do liberalismo excludente (Da proclamação da República á Revolução de 1930). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. Mas também existe um artigo muito interessante de Jacqueline Hermann na internet chamado Canudos: a terra dos homens.
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