quinta-feira, 19 de maio de 2011

O enigma de Canudos II

A historiadora Jacqueline Hermann, em um artigo para uma coletânea de trabalhos sobre o Brasil Republicano organizado por Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida Neves Delgado, nos dá algumas pistas sobre Canudos.

A historiadora Jacqueline Hermann, ao lado do historiador Bruno Cerqueira, fala em Simpósio do Instituto D. Isabel.
Jacqueline tem como objetivo nos apresentar as interpretações que foram feitas no decorrer dos anos pelos historiadores sobre os movimentos messiânicos populares (Juazeiro, Canudos e Contestado). Sua tese é que estes movimentos tiveram um fator em comum: a situação da Igreja Católica durante a República Velha.
A proclamação da República foi um alívio para a Igreja que desde o império se via limitada pelo sistema de Padroado, onde o imperador poderia intervir constantemente nas ordens do Vaticano. No entanto, a Constituição de 1891 assustou a Igreja Católica pela quantidade de medidas seculares, como o casamento civil, o ensino público laico, etc. O medo de perder sua influência e a posição em que se encontrava a instituição no momento (de combate ás ideologias modernas como o liberalismo e o comunismo, através do que ficou conhecido como movimento de Romanização) levou a Igreja a criticar veemente o novo regime.

D. Antônio Macedo Costa, bispo do Pará: maior defensor da Romanização e crítico da República.
No entanto, depois dos primeiros e confusos anos de República, ambas as partes parecem ter chegado a um acordo: o poder da Igreja não foi mais contestado pelo governo e a Igreja parece ter se expandindo com o consentimento das oligarquias que governavam o país (nessa época aumenta-se o número de dioceses no Brasil, seminários são construídos e até uma elite dentro da Igreja se aproxima das elites locais).
Para Hermann, esse fortalecimento institucional não foi acompanhado de uma aproximação com o povo. A Igreja podia ter assegurado sua influência, mas ela não tinha controle ainda sobre seus fiéis. A maior prova são estes movimentos de que falamos.

Ilustração do Arraial de Canudos.
Depois de analisar as interpretações sobre Canudos (euclidiana e "progressista"), a historiadora tenta desvendar o real caráter do movimento interpretando as prédicas (os pequenos livretos) escritos por Antônio Conselheiro e confiscados pelo governo. Essas 49 prédicas foram consideradas por Euclides da Cunha como pobres papéis de um desvairado, enquanto o historiador Duglas Monteiro as interpreta como a defesa das suas concepções políticas e sociais e de suas crenças religiosas por um sertanejo letrado. Delas, a maioria fala sobre as dores de Maria, algumas sobre os dez mandamentos, um texto versa sobre passagens dos evangelhos e os demais sobre assuntos diversos, circunstanciais - dentre eles a República.

O corpo de Antônio Conselheiro, 1897.
O que Hermann enxerga nessas prédicas não é uma proposta de reforma agrária ou loucura pura, mas uma defesa de medidas que a Igreja, desde o Concílio de Trento séculos antes, tentava implantar no Brasil, como a valorização da missa, da confissão e do culto á Virgem Maria. Conselheiro não é um revoltoso, ele ceita sua sujeição á Deus e á sua representante na terra, a Igreja Católica. O que ele não suporta na República é justamente esse cárater laico, afinal nosso governante não é mais sagrado pela Igreja, ele não tem mais respaldo de Deus, mas do voto. Para ele, "todo poder legítimo é a emanação da Onipotência eterna de Deus e está sujeito a uma regra divina (...)". A historiadora então fornece sua própria interpretação do movimento: a luta de Antônio Conselheiro não era messiânica, pois ele não se arrogava esse status (talvez a população tenha criado esse vulto), mas era uma espécie de combate ao novo regime exatamente por ele ser laico. Conselheiro aceitaria a sujeição, desde que o governante fosse sagrado pelo poder divino através da Igreja. Segundo Hermann, "a ética conselheirista é a do sofrimento resignado ás leis supremas, e em seus escritos não há qualquer promessa de vida eterna, fim dos tempos, previsões escatológicas ou salvação incondicional".

A Igreja de Santo Antônio no Arraial de Canudos.
Ao final de seu artigo, a historiadora propõe que as variadas interpretações sobre esses movimentos sejam vistas não como erros, mas como contribuições para um entendimento mais completo sobre eles. Os historiadores não discordam sobre a origem destes movimentos: a distância entre a Igreja Católica e o Estado para com o povo. Todos divergem quanto á natureza desses movimentos: se era de cárater político, religioso, social ou cultural? Jacqueline Hermann aponta que estas interpretações possuem seus defeitos e suas qualidades, afinal todas são filhas do seu tempo, mas que devemos ter em conta principalmente a sua contribuição para um maior conhecimento sobre estes movimentos.

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O artigo em questão se chama Religião e política no alvorecer da República: os movimentos de Juazeiro, Canudos e Constestado, presente no livro O Brasil Republicano: o tempo do liberalismo excludente (Da proclamação da República á Revolução de 1930). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. Mas também existe um artigo muito interessante de Jacqueline Hermann na internet chamado Canudos: a terra dos homens.

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