O título está muito ambíguo. Mas a culpa não é minha. Existe sempre uma confusão quando se fala em História: se estamos falando do processo histórico (res gestae - coisa que acontece) ou da ciência histórica(rerum gestarum - coisa acontecida). Antes o problema era resolvido com o tamanho das letras: maiúscula para a ciência e minúscula para o objeto de estudo dela. Mas se eu fizesse isso estaria entregando o jogo muito fácil para vocês.
Brincadeiras á parte, falaremos hoje sobre a condição singular da História. A História demorou a ser reconhecida como ciência e só o foi pois adotou os métodos das Ciências Naturais, com os positivistas no século XIX. No entanto, a História é totalmente diferente das Ciências Naturais, uma vez que seu objeto de estudo não é o funcionamento do tempo ou do espaço, mas o homem no tempo e no espaço, como diria Marc Bloch. A História, junto com a Sociologia e a Antropologia, seriam, no final do século XIX, o carro-chefe do que ficou conhecido como Ciências Humanas ou Ciências Sociais.
O que tomamos como método científico, até hoje, é o método que Galileu Galilei e Francis Bacon ajudaram a formar no século XVI, um método dedicado ao estudo do mundo sensível, ao mundo da natureza. Um método baseado numa observação, inquietação, formulação de uma hipótese, experimentação e, ao fim desta quarta etapa, a confirmação ou negação da hipótese. A História compartilha muitos pontos em comum com esse método (como a inquietação e a formulação de uma hipótese), mas possui algo de muito peculiar: ao contrário do físico, o historiador não pode reproduzir em laboratório as condições que ajudaram a criar um determinado acontecimento. Isso porque as pessoas serão outras e o tempo será outro. O passado não pode ser captado e isso transforma a ciência histórica em algo muito "impreciso" para muitas pessoas.
Para o historiador Eric Hobsbawm, a História só conquistaria um método á altura da natureza de sua condição (de ciência humana) com o materialismo histórico criado por Marx, na mesma época em que os positivistas conseguiram transformá-la em ciência. O materialismo histórico, como método, conseguia captar a complexidade das ações humanas e transformar as mudanças sociais em algo inteligível. No entanto, demorou um pouco para o materialismo histórico ser reconhecido como método historiográfico uma vez que a História ainda era muito aferrada ao ideal positivista e os grandes pensadores marxistas se dedicavam mais á militância política que a História num primeiro momento.
No que consiste o materialismo histórico? Partindo das condições materiais de existência de determinada comunidade em determinado período, o historiador deve buscar as contradições nelas que provocaram determinado processo histórico. O materialismo histórico busca a casualidade dos processos históricos. Ele lida muito mais com o campo das estruturas que dos indivíduos, uma vez que abranger indivíduos e estruturas era (e ainda é) um exercício muito trabalhoso. No entanto, ele não é o único método que surgiu nesse meio tempo entre o nascimento da ciência histórica e sua consolidação; há outros vindos tanto da filosofia como da antropologia (descrisão densa de Clifford Geertz, por exemplo) ou da sociologia (como os tipos ideais de Weber).
Hoje, o método científico conseguiu se desprender um pouco das Ciências Naturais. A História, por exemplo, partilha com as demais ciências, a necessidade de partir de uma inquietação particular e de provar uma tese (ainda que não seja por meio da experimentação). Basta lembrarmos da fórmula instituída pelos membros da Escola dos Annales: a história-problema, aquela que parte de perguntas e provoca outras mais. Alguns perguntariam: qual a graça em se criar uma tese se não se pode prová-la? A História tem que lidar com a complexidade do tempo e do homem e uma tese é algo que por mais avançado que seja não conseguiria alcançar a totalidade de um processo ou de um personagem histórico. É importante continuarmos a tecer nossas teses, pois cada uma traz uma contribuição particular para um debate, em conjunto essas teses podem nos ajudar a se aproximar da verdade.
Vejamos agora o que nos diz um especialista em epistemologia (ramo da filosofia dedicado aos fundamentos das ciências). Para Ernest Nagel, a História e a Física, por exemplo, são essencialmente diferentes, pois sua natureza é exatamente a oposta e não só pelo objeto que elas se dedicam (o homem/natureza). A História pertence ao reino do particular, uma vez que os atos dos homens através dos tempos nunca são iguais (alguns podem até ser semelhantes, mas iguais nunca). A Física, em contraposição, busca descobrir leis gerais sobre o funcionamento das ações da natureza e do homem. Assim, segundo a classificação da Filosofia da Ciência, a História seria uma ciência Ideográfica enquanto a Física é Nomotética. Dentro da História, no entanto, existe alguns ramos que na tentativa de encontrar algum sentido na sucessão de eventos acabam criando leis gerais, como é o caso da Filosofia da História. Também existem campos mais Ideográficos, por assim dizer, como a Micro-história, por se dedicar mais incisivamente em cima dos casos singulares e únicos.
Bem, futuros historiadores, espero não ter assustado vocês. Apesar da complexidade e da responsabilidade, esse ofício traz grandes recompensas para quem o ama, como compreensão e até diversão. O objetivo desse post é apenas demonstrar aos interessados o campo (espinhoso) em que pisa o historiador.
Olá, Vinícius. Parabéns pelo blog. Conteúdo com admirável qualidade. Tens em mim um seguidor.
ResponderExcluirAbraços!
Obrigado, Luciano. Também admiro e muito o seu blog. Esteja sempre á vontade para apontar ou colaborar com qualquer coisa que quiser aqui.
ResponderExcluirAbraços