segunda-feira, 9 de maio de 2011

As guerras tribais republicanas

A historiadora Eloína Monteiro Santos em seu estudo sobre a revolta tenentista de 1924 em Manaus monta um painel histórico sobre a cidade de Manaus e o estado do Amazonas para explicar o sucesso dessa revolta. Vejamos alguns pontos desse painel.
No primeiro capítulo de seu livro A Rebelião de 1924 em Manaus, a autora se dedica a expor os sistemas econômicos pelos quais o Amazonas passou: da coleta das drogas do sertão até o boom da borracha. Uma coisa havia de comum com a maioria desses sistemas econômicos: embora existissem outros tipos menores de economia a predominante sempre foi o extrativismo, seja ele da salsaparrilha ou da borracha. Manaus cresceu pois era ponto obrigatório de parada das cargas coletadas no interior da selva, mas o verdadeiro escoadouro era o Pará. Manaus era apenas um entreposto. A criação da capitania e depois província do Amazonas não mudou muito essa sua dependência.

Visão do Roadway - Porto de Manaus - na década de 1930.
O sistema de aviamento instalado na Amazônia pelo capitalismo monopolista estrangeiro só acentuou essa dependência. Esse sistema até produziu uma ideologia que foi responsável pelo estado lamentável do Amazonas após a borracha. Era a ideologia dos "coronéis de barranco" de que a riqueza seria eterna porque eles detinham o monopólio de sua produção e enquanto mais seringueiras plantassem mais ricos seriam. Quando os ingleses levam mudas para a Malásia e passam a extrair látex de uma maneira racional e em larga escala (ao contrário do modo amazônico) essa ideologia sofre o primeiro assalto, mas não morre. A esperança da borracha reeerguer o Amazonas continua e é alimentada brevemente pela campanha Borracha para a Vitória durante a Segunda Guerra Mundial.

Bem, essa elite econômica formada pela borracha entra na política para defender seus interesses, formando uma oligarquia política. Eloína, usando a tipologia de oligarquias do pesquisador coreano Eu-Soo Pang, classifica as elites políticas de Manaus como tribais uma vez que elas giram em torno de famílias e seus agregados e não tem uma doutrina, apenas defendem seus interesses. Assim temos as famílias Nery, Bittencourt, Antony, Pedrosa, etc. Esse cárater faz com que as lutas políticas fossem cada vez mais violentas, sendo os jornais um meio rico de ataque e defesa dos políticos, e os partidos se fraturassem gradativamente.

Pinheiro Machado
A autora demonstra essa divisão da política e conflito através das sucessões de presidente de província. Na sucessão de 1910, o poder central indica, através do senador Pinheiro Machado (espécie de manda-chuva na República Velha, atuando em muitos estados como o mediador de conflitos políticos) o nome de Antônio Bittencourt, pequeno desafeto de Silvério Nery, para o governo. Isso inicia uma série de conflitos (Nery contou com o apoio inclusive de setores militares locais para tentar depor Bittencourt, num episódio que contou até com o bombardeio da capital amazonense). Mas elerecorre na justiça e consegue uma liminar para continuar governando (com o apoio do governo federal através da figura de Pinheiro Machado, mesmo senador que o tirará do poder em 1912 ao fazer um acordo com Nery).

Silvério Nery. Fonte: Roberto Mendonça Furtado.
Antônio Bittencourt. Fonte: Roberto Mendonça Furtado.
No pleito de 1913, os ânimos estavam mais acirrados ainda entre os Nery e os Bittencourt, por isso o governo federal cria uma chapa com nomes desconhecidos para apaziguar os ânimos. Assim Jonathas Pedrosa foi eleito presidente da província e Antônio Guerreiro Antony como seu vice, embora se afeiçoasse á oposição. Com o tempo ambos acabam se desentendendo e Antony até participa de um golpe frustrado contra Pedrosa.  Três anos depois, Pedrosa indica o nome de Pedro Bacellar para o governo e Antony disputa nas eleições, mas perde. Na sucessão de 1920, temos um candidato da facção de Bacellar (Cezar do Rego Monteiro), Nery (Luiz Wortingen) e Antony (marechal Thaumaturgo Azevedo). Wortingen foi eleito, mas bacellar convence o poder federal de que Rego Monteiro é o mais apto. O marechal Thaumaturgo de Azevedo chega a pedir, como forma justa de mediar o conflito, a nomeação de um internventor, mas não é atendido.

Rego Monteiro
A posse de Rego Monteiro foi tensa: tropas federais ocuparam toda a cidade para evitar tentativas de golpe como as feitas por Antony anos antes. O novo governador começou a produzir inimigos dentro do próprio Partido Republicano Amazonense, do qual fazia parte, por preencher os cargos administrativos do governo com familiares e não colegas de partido. A corrupção era patente; embora Rego Monteiro dissesse que não havia dinheiro para pagar os funcionários públicos porque a arrecadação era baixa e a borracha estava em crise, ainda havia um grande fluxo de lucro na economia gumífera do qual ele e sua família se apropriou.
Chegamos então á sucessão de 1924, quando Rego Monteiro viaja para Europa para cuidar de sua saúde e coloca Turiano Meira (seu genro) como governador em exercício que apóia, seguindo as ordens do governo central, o candidato Aristides Rocha. Talvez Rego Monteiro tenha previsto que a próxima sucessão seria turbulenta como as outras e por isso tenha saído da cidade.

Há poucos dias das eleições, a 23 de julho de 1924, os tenentes aquartelados em Manaus (com um histórico de envolvimento nos movimentos tenentistas no sudeste do país, antes de serem afastados para o Amazonas) se unem e tomam o poder, numa ação rápida que conta com o apoio de alguns civis. Inicia-se assim o breve governo tenentista ou, como ficou conhecido na historiografia, Comuna de Manaus, tendo á sua frente o tenente José Ribeiro Júnior.
 
O que é interessante nesses dois painéis (um econômico e outro político) é que a autora estabelece uma relação entre economia e política. A dependência na economia faz a política ser dependente também. Em alguns momentos, Eloína se questiona se foi o cárater tribal que impediu o fortalecimento da economia, uma vez que as brigas impediam os políticos de se unirem para erguer o Amazonas ou se foi o enfraquecimento da economia que tornou a política pulverizada.
Segundo a autora, a dinâmica do Amazonas republicano é esse clientelismo com o governo federal. Esse tráfico de influência garantia a posse de muitos governadores. Todos queriam cair na graça de Pinheiro Machado ou do presidente da República. Isso demonstra o quanto a política amazonense era dependente da política nacional.
Essas são as condições que resultaram no sucesso do movimento tenentista no Amazonas, ao contrário do que vinha acontencendo no resto do país. O movimento tenentista acreditava que o mal do Brasil na época eram as oligarquias que tinham tomado posse da República. Elas apostaram no nepotismo, na corrupção e no latifúndio. O Brasil precisava ter sua política moralizada e sua economia modernizada e os tenentes se consideravam os únicos que poderiam fazer isso. Esse discurso tenentista encontrou o apoio dos amazonenses porque a situação deplorável a que chegou o estado durante a administração de Rego Monteiro era revoltante, tanto para a oposição (Nery, Antony, Bittencourt) como para o próprio povo. Para continuar no poder os tenentes tiveram que fazer alianças, a maioria com as oligarquias da oposição (caindo assim em contradição com o discurso oficial de luta contra as oligarquias), uma vez que seu objetivo era continuar sua "revolução" tomando o Pará e de lá ir descendo até a capital federal (é tão verdade que seu objetivo não era o Amazonas mas a capital federal que através de análises das mensagens de Ribeiro Júnior ao povo a autora identifica um discurso que se remetia mais ao Brasil que ao Amazonas).

Tenentes da Coluna Prestes.
As oligarquias manipularam os tenentes? Sim. Pelo menos é o que parece apontar o estudo de Eloína. Essa é a especificidade do movimento tenentista em Manaus: a aliança circunstancial com a oligarquia para sobreviver. Mas isso não esvazia muitas das inovações trazidas para o contexto amazonense por esses rebeldes, como a tentativa de pagar os funcionários públicos com uma redistribuição dos impostos ou a transparência dos atos políticos com a sua publicação na imprensa oficial. Aliás, a primeira medida (conhecida como "Tributo da Redenção") é responsável por um breve aquecimento da economia, uma vez que os funcionários públcios passaram a comprar mais produtos, deixando o comércio ativo. Ou seja, uma medida para reerguer a economia do estado sem passar pela valorização da borracha. Interessante, no mínimo.

Embora a pesquisadora não aborde os anos posteriores ao fim da revolta de 1924 é inferido de sua conclusão de que a dinâmica do Amazonas republicano continuou sendo as "guerras tribais" com grupos se alternando no poder de acordo com a vontade do governo federal e o tráfico de influência para conquistar a simpatia desse todo-poderoso órgão político.

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