terça-feira, 17 de maio de 2011

Importando idéias...

O químico Lavousier já dizia: na natureza nada se cria, tudo se transforma. No mundo acadêmico também não é muito diferente.
As teorias, principalmente em História, são formuladas tendo uma determinada realidade como base o que quer dizer que em outro contexto elas não tem o mesmo peso. Por isso o maior problema do pesquisador é importar teorias para seu campo de pesquisa correndo o risco delas não possuirem nenhuma afinidade com aquilo com que se dedica.
A teoria é um instrumento que ajuda a entender a realidade, ela não deve ser encarada como a "fórmula mágica" da realidade. Muitos já tentaram enumerar leis gerais do funcionamento da história; não preciso dizer que eles quebraram a cara.
O que é tido como universal tem de ser relativizado: universal para quem? Afinal, qualquer coisa possui a marca de quem, quando e onde a fez. Mesmo que busque ser abrangente em sua reflexão ou mesmo em sua arte, o homem ainda acaba preso á sua região.
O regionalismo também precisa ser revisto. Valorizar sua região é importante, afinal ela faz parte do processo de formação da nossa identidade, mas ela não pode ser entendida como um fim em si mesma. Nenhum homem é uma ilha, já dizia o ditado.

Antropofagia: quadro de Tarsila do Amaral que representa o movimento modernista.
Assim, acredito que tanto na arte como na pesquisa devemos nos inspirar nos nossos modernistas, principalmente Oswald de Andrade. Devemos praticar cada vez mais a antropofagia, mas com moderação. Afinal, recortar e colar tudo sem nenhum critério é como montar um Frankenstein.
Hoje podemos ser profundamente antropofágicos, afinal temos uma rede forte de informação e interação com as mídias sociais e a internet. Hoje a circulação de idéias está mais fácil. Em breve podemos superar até as barreiras mentais criadas pelos séculos entre Oriente e Ocidente e nos relacionarmos com respeito, como desejava o poeta mexicano Octavio Paz.
Para aqueles que não conhecem nada de modernismo, explico: Oswald de Andrade não estava defendendo o canibalismo, mas sim uma espécie de canibalismo cultural. Ao invés do Brasil apenas importar tudo o que a Europa fazia, de agora em diante tentaríamos digerir o que vem de fora e o que temos por aqui e produzir com isso algo novo, reinterpretado segundo nossa cultura.
Não, não é o Lee Van Cleef; esse é o Giovanni Levi.
Vou dar dois exemplos aqui: a micro-história e o western spaghetti. Ambos surgiram na Itália entre as décadas de 1960 e 1970. A micro-história partiu de um sentimento de insatisfação com a história que vinha sendo feita na Europa. A história total de Fernand Braudel, para ser mais exato. Braudel propunha uma história que não se concentrasse mais nos fatos ou nos grandes personagens, mas nas estruturas, principalmente econômicas, que geravam os acontecimentos. Essa história estruturalista parecia muito determinista para alguns pesquisadores italianos como Carlo Ginzburg ou Giovanni Levi. Eles aceitavam muitos pressupostos da Escola dos Annales, como a interdisciplinaridade, a história-problema e o conceito de mentalidades, mas não concordavam com essa posição de Braudel. Por isso resolveram se concentrar em análises mais locais que mesmo assim dialogavam com o mais geral. Essas análises contavam também com um estilo mais fluído e mais literário, o que contribuiu para seu sucesso entre leitores leigos.
Esse sim é o Lee Van Cleef!
O faroeste, bang-bang ou western é um gênero conhecido por todos nós. Eu, por exemplo, cansei de ver com meu avô esses filmes. O faroeste é algo específico demais, pois ele se passa no Oeste norte-americano no tempo da expansão territorial do país, por isso vemos a chegada dos pioneiros nas suas carroças e os combates com os índios. Por esse motivo é tido por muitos diretores, como Clint Eastwood e Martin Scorcese, como um gênero genuinamente americano. O crescimento do cinema norte-americano nas primeiras décadas do século XX levou esse gênero á boa parte do mundo e muitos se encantaram com seu estilo (a idéia de mundo sem lei, com vilões inescrupolosos e mocinhos valentes). A Itália foi um desses países. Desde a década de 1920, assim como na Alemanha, diretores italianos faziam pequenos bang-bang. Contudo, a partir da década de 1960 esses filmes tomam um outro rumo: muitos diretores que participaram do movimento do neo-realismo italiano fizeram seus filmes de faroeste, levando para os sets de filmagem ângulos novos e personagens mais complexos e ambíguos. Sérgio Leone e sua trilogia de filmes sobre punhados de dólares (que se iniciou, aliás, com a inspiração do filme Yozimbo do cineasta japonês Akira Kurosawa) é um dos maiores exemplos. Já na época, muitos reconheciam que aquele era um gênero totalmente novo, tanto que o apelidaram de western spaghetti.
O que temos aqui? Dois movimentos (um historiográfico e outro cinematográfico) que se inspiraram em gêneros e noções estrangeiros, mas que com as técnicas e abordagens próprias (seja do neo-realismo italiano ou da história regional italiana) reinterpretaram estas idéias e as transformaram em algo novo e criativo.
O que estou defendendo aqui é que esse embate entre o que vem de fora e o que temos aqui é enriquecedor, ele nos faz pensar em novos paradigmas, mas ele tem de ser feito de forma sensata. Esse diálogo deve ser feito ou pela razão ou pela sensibilidade. Por isso, as universidades devem se comunicar mais, não só nacionalmente, como internacionalmente. Assim, o espaço de debate se torna muito maior e muito mais rico. O diálogo é fundamental principalmente no ambiente da academia. Tomemos Ginzburg, Levi e Leone como bons exemplos.

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