"Conto do vigário" é uma destas expressões obscuras e comuns que utilizamos volta e meia, possivelmente dela surgiria a palavra "vigarista". Mas qual a sua origem?
A historiadora Denise Lotufo nos fala que a origem do termo pode estar num caso que aconteceu em Ouro Preto no século XVIII quando dois padres decidiram que resolveriam a disputa pela imagem de Nossa Senhora amarrando-a em um burro que estava solto na rua. Eles levariam o burro até a frente das duas capelas, a do Pilar e da Conceição, e onde o burro se dirigisse seria a morada da santa enfim. O burro foi para a Igreja do Pilar. Detalhe: foi revelado mais tarde que o tal burro era do vigário da capela.
Outra versão é a de Fernando Pessoa - sim, essa expressão existe me Portugal também - que nos expõe em uma de suas crônicas o caso de um certo Manuel Vigário que consegue ser ludibriado duas vezes: na primeira por um homem que lhe presenteia com notas falsas e na segunda pelos seus irmãos que aproveitam o estado de embriaguez em que ele se encontrava em certo momento para pedir um "dinheirinho" emprestado e assim conseguem esvaziar sua carteira.
O historiador José Augusto Dias Júnior, que lançou no ano passado o livro Os Contos e os Vigários - Uma História da Trapaça no Brasil nos fala de três versões, sendo a de Pessoa uma delas. As outras duas seriam parecidas: um homem receberia uma carta enviada por um vigário espanhol que dizia que um homem rico tinha falecido e deixara para ele uma polpuda herança e a guarda de sua filha de 13 anos, tudo o que ele deveria fazer era manda ruma certa quantia para liberar os documentos do falecido e conseguir a guardar de forma definitiva.
José Augusto Dias Júnior e seu livro. |
O livro de Dias Júnior é interessante porque faz uma análise mais profunda sobre essa expressão. É um exercício de História Cultural, na verdade. O seu objetivo não é só descobrir a origem desse termo, mas entender como ele foi se articulando com o contexto do Brasil no século XX, um contexto de mudanças significativas. A urbanização, por exemplo, modificou os métodos convencionais do "conto do vigário". Agora, os vigaristas podiam se aproveitar das condições desse processo, como é o caso do golpe da Light onde um homem que se apresenta como funcionário dessa empresa de energia chega em um determinado bairro ou rua onde esse serviço é precário e oferece-se para consertar a falha com uma "pequena quantia" oferecida pelos moradores (golpe, aliás, que minha família caiu quando morávamos em Sepetiba).
Outro caso é o do vigarista que finge ser uma autoridade política ou mesmo policial para desfrutar de certos privlégios em certos locais - como uma "boquinha livre" em um restaurante ou furar fila num banco. Enquanto o outro golpe demonstra as condições desiguais dessa urbanização, esse mostra o quanto a sociedade brasileira é autoritária e clientelista. Dias Júnior afirma, por sua vez, que os "contos do vigário" revelam algo a mais que o momento histórico em que são feitos, revelam também um dado estrutural da nossa sociedade: o tão falado "jeitinho" brasileiro, a vontade de fazer tudo do jeito mais fácil. O conto do vigário, utilizando a definição pescada pelo historiador de um relatório policial, é quando o esperto se faz tolo e o tolo quer ser esperto e justamente por isso paga o pato. O malandro acaba virando bobo. Ora, quem não quer ser malandro?
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