quarta-feira, 9 de março de 2011

Da série sínteses numa mesa de bar: Foucault e Certeau

Foucault é filho de Nietszche, enquanto Certeau é pupilo de Freud.
Foucault é o filósofo da disciplina, aquele que encontra o poder onde menos se espera e nos revela seus mecanismos. O interesse resulta de sua vida pessoal: homossexual declarado, sentia-se oprimido pela sociedade de sua cidade natal por sua orientação sexual. Foucault quer ressuscitar as subjetividades e aspectos marginalizados pelo poder através do tempo.
Primeiro, ele identifica o poder. Nos discursos e valores, lá está o poder, tentando disciplinar as pessoas, tentando ensiná-las a cuidar de seu corpo, a separar os "indesejáveis" e punir os infratores de qualquer tabu.
A Ciência, nesse processo, também não é inocente. O conhecimento científico foi usado das mais variadas formas para legitimar o poder, basta se lembrar da frenologia (aquele ramo da ciência no século XIX que com base nas medidas dos crânios diagnosticava as pessoas e descobria quem já nascia criminoso ou louco).
Foucault se simpatiza com os marginalizados do poder, como os homossexuais, os loucos, os pobres, as viúvas, as prostitutas. São figuras que foram apagadas da história pelo poder, pela história oficial. Foucault, como Nietszche, também não acreditava em verdades universais, elas seriam apenas discursos criados para legitimar o status quo. Por essa simpatia e esse ceticismo a filosofia de Foucault foi considerada revolucionária na época e vem se expandido desde então.
Ler Foucault é um trabalho duro, mas recompensador. Suas reflexões são muito interessantes e valem a pena um pouco do sofrimento da leitura. Na minha opinião, Foucault nos seus primeiros anos é mais interessante que o do final de sua vida, porque nessa ocasião ele se tornara muito vaidoso com o reconhecimento de seu trabalho e isso fez suas reflexões tornarem-se mais repetitivas e um pouco apelativas.
Michel Foucault e Michel De Certeau.

Certeau, por sua vez, é o estudioso da anti-disciplina, das trampolinagens perante aos mecanismos do poder. Se aproxima de Foucault pela empatia dispensada aos marginais da história, no entanto seu interesse não provém de sua própria vida, mas pelo estranhamento. Certeau era jesuíta e mantinha um longo namoro com a psicanálise. Ela o ajudaria a se conhecer e a conhecer o outro. Certeau reconhece os limites do conhecimento e o potencial do outro e do estranho para o entendimento.
O estranhamento é motivado por algo que não conhecemos, mas desejamos conhecer; só depois de termos essa impressão é que somos impelidos a conhecer. O outro, no entanto, no decorrer da história, tem sido representado das mais variadas formas nos mais variados contextos, mas sempre de forma preconceituosa, ou melhor, etnocêntrica. Assim, temos o Ocidente falando de seu outro, o Oriente, como algo exótico e inferior, ou mesmo os grupos sociais mais ricos falando de seu outro, os marginais, pobres e loucos, como uma camada bizarra, excêntrica e perigosa da sociedade.
Certeau se lança na história se perguntando como os historiadores avaliam os seus outros. Cada historiador tem seu outro, por assim dizer, pois cada um deles está ligado á uma visão de mundo e á uma posição social, no entanto, existe um outro para todo historiador e é o próprio passado. O historiador pode trabalhar sobre o passado, mas ele vive no presente e não conhece o passado tão bem quanto o presente. Por isso o que o historiador faz é representar o passado com base no presente.
No ramo da sociologia, Certeau, depois de falar dos inúmeros outros da sociedade ocidental, decide investigar como o homem comum, um personagem tão presente que chega a ser esquecido, é representado e se representa. O homem comum é algo pouco representado, pois sua presença, como dissemos é tão visceral, que á pouco material sobre ele e o que há fala de pessoas presas na rotina, no cotidiano, sem peso sobre a história. O homem comum, em outras palavras, assiste a história acontecer. É uma visão tão divulgada que o próprio "homem comum" se apropria dela, convencendo-se de que é verdade.
Certeau, com base em pesquisas antropológicas do cotidiano, discorda dessa visão e mostra que o homem comum não é passivo. O homem comum se mobiliza diante das situações do dia-a-dia e da história. Ele reinventa sua vida com base no que sabe e no que tem á mão. Essa é a arte da invenção do cotidiano.  A idéia de que ele não faz história foi criada justamente para justificar o poder. É só pensar quantas vezes homens comuns se juntaram e ludibriaram as sanções de um rei ou estadista.
Certeau também não é uma leitura fácil, mas certamente suas reflexões, assim como as de Foucault, são vitais para qualquer estudioso das ciências sociais, seja ele historiador, antropólogo, psiquiatra ou sociólogo, por exemplo.

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