terça-feira, 8 de março de 2011

Tempo de pandemia

Já virou costume assistirmos a cada final e início de ano algum surto de epidemia, seja ela dengue ou gripe viária. Se hoje é assim, imagine como era no começo do século passado?

Vamos dar um pulo na cidade de Taubaté nas décadas finais do século XIX. A cidade era cortada por córregos, como o Córrego do Judeu, onde além de tomarem banhos e despejarem lixo, os moradores do entorno também jogavam seu esgoto ali. Muitas epidemias tambem eram trazidas por visitantes, uma vez que a cidade era ponto obrigatório de muitos viajantes que também levavam consigo em muitas ocasiões certas doenças da capital federal ou de São Paulo. Há que se ressaltar também a condição precária dos esgotos, principalmente no centro, e o grande fluxo de indigentes vindos de outras cidades.
Sendo assim, esse cenário era muito promissor para epidemias que se tornavam no século XIX eventuais. Difícil dizer qual foi o primeiro surto e quando. Habitual eram as epidemias de febre amarela, uma vez que os córregos, como dissemos antes, eram presentes e mal cuidados. Habituais também eram as epidemias de lepra. A municipalidade, com ajuda de doações de fazendeiros locais e do governo federal, construiu uma lazareto perto do Convento Santa Clara onde, quando havia pacientes presos lá, era isolado a ponto da estrada para o lazareto ser interditada.

Se o perímetro urbano era constamente assolado por doenças dessa natureza, a população que vivia na zona rural então vivia completamente desassistida. Amarelão, mal de Chagas, lepra, leshimaníose, eram apenas algumas das doenças mais comuns no campo. No entanto, o homem do campo podia recorrer aos medicamentos naturais e aos curandeiros. Quando muito grave, aos doutores da cidade.
A preocupação com a saúde criou uma figura muito particular: os doutores municipais ou inspetores de higiene. Sua função era dar á Câmara as medidas que deveriam tomar na cidade para acabar com os surtos de febre amarela, cólera morbo, varíola e tuberculose. Primeiro, sua figura era apenas consultiva, mas com o passar do tempo ganhou mais poder e autonomia, e com isso status.
Na batalha para sanear a cidade, os doutores compraram briga com a Igreja Católica quando pediram para remover o cemitério da psoição em que ficava, em frente á Igreja Matriz no centro da cidade, para uma área mais afastada e elevada. Muitos padres, que já vinham se desiludindo com os primeiros anos do governo republicano, encararam isso como mais uma afronta do poder temporal contra o poder espiritual. A Igreja relutou, mas depois de algum tempo ambas as partes chegaram a um acordo: uma boa parte dos corpos ficaria na área da Igreja Matriz, segundo escolha dos familiares ou das entidades religiosas, mas de agora em diante todos iriam ser enterrados no novo cemitério.
A mesma Igreja que se opôs ao novo cemitério, contudo apoiou em peso a nova rede de esgotos. O projeto da nova rede de esgotos teve inclusive o dedo de nosso conhecido Nascimento Castro, na época vereador, além do inspetor de higiene. As obras duraram alguns meses e contemplaram somente a área central da cidade. Não sei dizer quando os serviços chegaram aos demais bairros.
O inspetor de higiene tinha que contar com o apoio da classe dirigente e da opinião pública, mas seu alvo era conquistar o povo. Conquistar não, discipliná-lo. A maior parte das medidas contra as epidemias deveriam ser feitas principalmente pela população local, afinal era ela que vivia perto dos córregos, que tinha contato com viajantes contaminados nos armazéns e etc. O sanitarismo nos primeiros anos do século XX se vinculava de certa forma á uma elite aristocrática que queria purificar sua cidade e por isso mesmo as medidas eram aplicadas de forma autoritária ao resto da população. O exemplo mais emblemático foi a vacinação obrigatória aplicada pelos agentes de saúde no Rio de Janeiro á mando de Oswaldo Cruz que desencadearam uma série de protestos conhecidos como a Revolta da Vacina.

Charge de Storni sobre Oswaldo Cruz sanear as favelas do Rio de Janeiro.
Em Taubaté, as medidas eram aplicadas de maneira autoritária sim, mas não só elas. Famílias foram despejadas da área onde moravam, muitas casas eram duramente vistoriadas para não guardarem lixo no quintal, criarem animais ou tomar banho nos córregos. No entanto, com o desenvolvimento da imprensa os inpestores de higiene descobriram uma maneira de comunicar á população as medidas que deveriam ser tomadas e pedir sua colaboração.
O lixo passou a ser incenerado em uma área muito afastada da cidade, no entanto, não sei dizer se esse continuou sendo o modus operandi das autoridades para se livrar do lixo até os anos 40 quando se criou um aterro em Taubaté.
Na luta contra as epidemias, surgiram muitas figuras que ficaram na memória do povo taubateano. Por sua atitude heróica durante uma epidemia de cólera morbo de não cobrar por suas consultas á escravos e libertos, Antônio Souza Alves até foi condecorado por suas ações. Outro grande nome foi o do imigrante dinarmaquês Jorge Winter que visitava seus pacientes na roça em lombo de burro a qualquer hora do dia e cujos descendentes seguiram também o caminho da medicina.
Hoje, passados mais de cem anos, a cidade conseguiu superar os surtos de lepra, varíola, cólera morbo, febre amarela e a tifo. No entanto, a dengue ainda está aí e fazendo vítimas e não só em Taubaté, mas em todo Brasil. Aqui em Manaus nove vítimas já vieram a falecer. A solução passa por uma ação conjunta da população e dos governos, mesmo assim esse mosquitinho tem demonstrado que é mais persistente que pensávamos. Alguns cientistas na Bahia estão criando uma forma transgênica do mosquito que tem um ciclo de vida pequeno e morre antes de se tornar perigoso. Pode ser uma luz no fim do túnel, mas e se não for? Vamos ficar esperando uma nova solução da ciência e não agir? Fica a pergunta.

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