quinta-feira, 17 de março de 2011

Caserna e rua II

Continuando a debater sobre a Proclamação da República, gostaria aqui de refletir um pouco sobre as conclusões de Celso Castro e Maria Thereza Chaves de Mello, expostar no penúltimo post:
A tradicional Festa da Penha no Rio de Janeiro dos anos 40.

Celso Castro considera a Proclamação da República o debute dos militares enquanto atores políticos. No entanto, durante a República Velha, exceto os primeiros anos do regime (os governos dos marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, conhecido como a República da Espada), os militares permaneceram como personagem secundário diante da atuação das oligarquias regionais na política. O que houve com os militares?

Quando Maria Thereza Chaves de Mello conclui sua tese, acrescenta que essa transformação da rua enquanto espaço político fez da sociedade fluminense mais politizada. O povo da cidade do Rio de Janeiro (ela está sendo específica) consumia a política, embora não tivesse meios de alcançá-la (ou não quisesse). Então, quando a população local deixou de ser política e tornou-se indiferente á política?
A marcha dos oficiais, com a participação de um civil, conhecida como os 18 do Forte de Copacabana, em 1922.

Não estou, com essas perguntas, crucificando os autores por não respondê-las. Um estudo é assim: responde algumas perguntas e fabrica novas, que serão respondidas por outros pesquisadores. Achar as respostas para as questões é que faz a ciência se movimentar, continuar viva. Só podemos cobrar dos autores as respostas para as perguntas que eles se comprometeram a responder, no caso, foi a Proclamação essencialmente militar e o povo assistiu á tudo bestializado? Estas perguntas foram respondidas, mas, no meu caso, seus trabalhos geraram estas novas indagações expostas acima.

Vou tentar expor aqui alguns argumentos e algumas respostas possíveis: estamos falando, agora, da República Velha, do período posterior á Proclamação, tema destes autores. A bibliografia sobre a República Velha, que é extensa (teve seu boom na passagem dos anos 70 para os anos 80), é unânime em considerar esse período como essencialmente oligárquico e descentralizado, politicamente. Após os primeiros anos, que foram turbulentos, há a criação de um pacto entre as oligarquias regionais - o que ficou conhecido como Política dos Governadores ou Invenção Republicana, segundo o cientista político Renato Lessa. Nesse pacto as oligarquias mais fortes economicamente se sobressaiam, nesse caso se alternando no poder federal - aí temos a constante presença de São Paulo e Minas Gerais no comando do país, fato que se popularizou através da expressão "política do café-com-leite". No entanto, estudos recentes questionam/relativizam tanto a Política dos Governadores como a do café-com-leite.

Na bibliografia tradicional, o Exército aparece como personagem secundário, totalmente corrompido por uma sociedade extremamente oligárquica que o utiliza como solução-tampão para os eventuais casos de rixas regionais. O povo do Rio de Janeiro, então, como alvo das medidas altamente elitistas dessa classe política, que desejavam criar uma cidade "civilizada", aos moldes das européias.
José Murilo de Carvalho

Um autor que é presença constante na historiografia sobre a República, o qual inclusive tanto Castro como Melo dialogam, é o cientista política José Murilo de Carvalho. Segundo Carvalho, a população assistiu á tudo bestializada porque sabiam, pelo andar da carruagem, que não fariam parte do novo regime, uma vez que ele continuava nas mãos de um círculo muito fechado, a elite. Não que o povo não tivesse as armas para entrar na política: ele tinha sim, segundo Carvalho, herança das festas religiosas como a Festa da Penha e  das conferências radicais do Império. O povo era, então, "bilontra" porque sabia que a política era "tribofe", ou seja, o povo atuava na política quando lhe fosse conveniente, mas sabia que não seriam bem representados pelos homens do poder.

Quanto aos militares, Carvalho credita á um grupo de jovens oficiais (não especificamente á mocidade militar) não só o mérito de ter proclamado a República, como de participar de outros movimentos sociais mais ativos, como o tenentismo. Pela própria natureza da instituição militar brasileira, existia sempre um setor revolucionário (o dos jovens oficiais) por ser o mais esclarecido e mais explorado. O Exército só criaria um espírito próprio, uma unidade, com sua modernização, encetada durante a República Velha e que culminaria com a Revolução de 1930.

José Murilo Carvalho também concorda que os primeiros anos do novo regime foram turbulentos, mas por causa dos conflitos entre os diversos projetos de República: havia o projeto liberal e federalista dos proprietários rurais, o jacobinismo das camadas médias urbanas e o positivismo de um grupo de militares e intelectuais do Apostolado Positivista do Brasil. Quem ganhou, por ser muito mais coeso, foi o primeiro grupo e impôs, assim, o rosto oligárquico e descentralizado que a República Velha teve.

As conclusões de Carvalho responderiam assim a relativa retração do Exército enquanto ator político durante os anos que se seguriam á Proclamação e uma atitude do povo com relação á política que confundimos com apatia, mas na verdade pode ser definida como utilitarismo. Mesmo assim, as questões continuam em aberto, afinal, essa é apenas uma hipótese, a hipótese de José Murilo de Carvalho. Acredito que antes de realmente concluirmos algo sobre a ação militar e popular na República, seja nos seus primeiros anos ou depois, devemos dialogar com mais autores e suas hipóteses.

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