A tradicional Festa da Penha no Rio de Janeiro dos anos 40. |
Celso Castro considera a Proclamação da República o debute dos militares enquanto atores políticos. No entanto, durante a República Velha, exceto os primeiros anos do regime (os governos dos marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, conhecido como a República da Espada), os militares permaneceram como personagem secundário diante da atuação das oligarquias regionais na política. O que houve com os militares?
Quando Maria Thereza Chaves de Mello conclui sua tese, acrescenta que essa transformação da rua enquanto espaço político fez da sociedade fluminense mais politizada. O povo da cidade do Rio de Janeiro (ela está sendo específica) consumia a política, embora não tivesse meios de alcançá-la (ou não quisesse). Então, quando a população local deixou de ser política e tornou-se indiferente á política?
A marcha dos oficiais, com a participação de um civil, conhecida como os 18 do Forte de Copacabana, em 1922. |
Não estou, com essas perguntas, crucificando os autores por não respondê-las. Um estudo é assim: responde algumas perguntas e fabrica novas, que serão respondidas por outros pesquisadores. Achar as respostas para as questões é que faz a ciência se movimentar, continuar viva. Só podemos cobrar dos autores as respostas para as perguntas que eles se comprometeram a responder, no caso, foi a Proclamação essencialmente militar e o povo assistiu á tudo bestializado? Estas perguntas foram respondidas, mas, no meu caso, seus trabalhos geraram estas novas indagações expostas acima.
Vou tentar expor aqui alguns argumentos e algumas respostas possíveis: estamos falando, agora, da República Velha, do período posterior á Proclamação, tema destes autores. A bibliografia sobre a República Velha, que é extensa (teve seu boom na passagem dos anos 70 para os anos 80), é unânime em considerar esse período como essencialmente oligárquico e descentralizado, politicamente. Após os primeiros anos, que foram turbulentos, há a criação de um pacto entre as oligarquias regionais - o que ficou conhecido como Política dos Governadores ou Invenção Republicana, segundo o cientista político Renato Lessa. Nesse pacto as oligarquias mais fortes economicamente se sobressaiam, nesse caso se alternando no poder federal - aí temos a constante presença de São Paulo e Minas Gerais no comando do país, fato que se popularizou através da expressão "política do café-com-leite". No entanto, estudos recentes questionam/relativizam tanto a Política dos Governadores como a do café-com-leite.
Na bibliografia tradicional, o Exército aparece como personagem secundário, totalmente corrompido por uma sociedade extremamente oligárquica que o utiliza como solução-tampão para os eventuais casos de rixas regionais. O povo do Rio de Janeiro, então, como alvo das medidas altamente elitistas dessa classe política, que desejavam criar uma cidade "civilizada", aos moldes das européias.
José Murilo de Carvalho |
Um autor que é presença constante na historiografia sobre a República, o qual inclusive tanto Castro como Melo dialogam, é o cientista política José Murilo de Carvalho. Segundo Carvalho, a população assistiu á tudo bestializada porque sabiam, pelo andar da carruagem, que não fariam parte do novo regime, uma vez que ele continuava nas mãos de um círculo muito fechado, a elite. Não que o povo não tivesse as armas para entrar na política: ele tinha sim, segundo Carvalho, herança das festas religiosas como a Festa da Penha e das conferências radicais do Império. O povo era, então, "bilontra" porque sabia que a política era "tribofe", ou seja, o povo atuava na política quando lhe fosse conveniente, mas sabia que não seriam bem representados pelos homens do poder.
Quanto aos militares, Carvalho credita á um grupo de jovens oficiais (não especificamente á mocidade militar) não só o mérito de ter proclamado a República, como de participar de outros movimentos sociais mais ativos, como o tenentismo. Pela própria natureza da instituição militar brasileira, existia sempre um setor revolucionário (o dos jovens oficiais) por ser o mais esclarecido e mais explorado. O Exército só criaria um espírito próprio, uma unidade, com sua modernização, encetada durante a República Velha e que culminaria com a Revolução de 1930.
José Murilo Carvalho também concorda que os primeiros anos do novo regime foram turbulentos, mas por causa dos conflitos entre os diversos projetos de República: havia o projeto liberal e federalista dos proprietários rurais, o jacobinismo das camadas médias urbanas e o positivismo de um grupo de militares e intelectuais do Apostolado Positivista do Brasil. Quem ganhou, por ser muito mais coeso, foi o primeiro grupo e impôs, assim, o rosto oligárquico e descentralizado que a República Velha teve.
As conclusões de Carvalho responderiam assim a relativa retração do Exército enquanto ator político durante os anos que se seguriam á Proclamação e uma atitude do povo com relação á política que confundimos com apatia, mas na verdade pode ser definida como utilitarismo. Mesmo assim, as questões continuam em aberto, afinal, essa é apenas uma hipótese, a hipótese de José Murilo de Carvalho. Acredito que antes de realmente concluirmos algo sobre a ação militar e popular na República, seja nos seus primeiros anos ou depois, devemos dialogar com mais autores e suas hipóteses.
Nenhum comentário:
Postar um comentário