terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Dona Eugenia no Sítio do Pica-Pau Amarelo


Ontem, na faculdade, comecei uma discussão com meus colegas sobre Monteiro Lobato. A discussão não poderia ter sido outra senão sobre suas considerações preconceituosas expostas em um de seus livros sobre o Sítio do Pica-Pau Amarelo.  Ora, Lobato em um outro livro, O Presidente Negro, extrapola mais ainda nos comentários sobre os negros, mulheres, judeus e americanos.

Só relembrando, a pouco tempo atrás um grupo de professores queria retirar um de seus livros infantis da lista de leitura das crianças por expor racismo. Agora, não sei em que pé anda a discussão, mas alguns até sugeriram que o livro continuasse, mas com pequenas notas que expliquem o contexto do escritor. Lobato nasceu em uma família tradicional de cafeicultores, intimamente ligada ao Império (ora, seu avô era o prestigiado Visconde de Tremembé) e á escravidão. Mesmo se rebelando contra parte dessa  sua herança cultural, criticando os barões de café, o Império e a escravidão, Lobato também não estava livre limitações.

Ora, é reconhecido que ele tinha uma enorme simpatia com as idéias eugenistas, aquelas que propunham melhorar a população brasileira por meio de casamentos e uniões entre indivíduos mais fortes e aptos de "raças" melhores, como a européia. Só assim salvaríamos o Brasil da inércia em que se encontrava graças á sua população cabocla apática e preguiçosa. Contudo, o próprio Lobato reavaliou estas idéias no decorrer de sua vida: depois de entrar em contato com as pesquisas dos sanitaristas pelos sertões, o escritor taubateano reconheceria que o problema não era o caboclo, mas a situação precária em que ele se encontrava. Nos últimos anos de vida, depois da Segunda Guerra Mundial, o escritor até absorveria alguns pontos do comunismo, passando a criticar o latifúndio, segundo ele, principal causa da fragilização do povo.

Não creio que por suas limitações Lobato tenha de ser expurgado das escolas. Não defendo com isso que esqueçamos delas, não; o caso serviria até para ensinar aos alunos um pouco sobre o tempo em que ele vivia e como o ser humano pode ser contraditório. Mesmo cheio de muitos méritos, seja na literatura, na política ou na cultura, Lobato ainda tinha seus defeitos, como todos nós.

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Mais informações sobre o Lobato eugenista podem ser consultadas aqui, nesse ótimo artigo de André Fernandes de Castro no Almanaque Urupês.

4 comentários:

  1. É interessante notar, aliás, que...no conto A NEGRERINHA, Lobato Critica a escravidão, dizendo com ironia que a senhora "esteio da religião e da moral" adorava dar uns croques numa criança negra para desestressar.

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  2. Vinícius, existe uma moral hipócrita por baixo disso tudo. Banir, ou tentar banir uma obra por apresentar comentários "preconceituosos", é no mínimo negligenciar o contexto em que está sendo produzido.
    Experimente dizer que um negro é preto hoje e pegue sua máquina do tempo e volte uns 50 anos e faça o mesmo. Compare os resultados.
    Outro dia estava lendo o jornal da C.T.I., para um especial que estamos produzindo. Em uma das edições de 1941 há uma galeria com as imagens dos "Funcionários que deixaram saudade". Nela, há dois homens negros, na legenda de um, era descrito como "...um preto de alma branca...", e o outro, lembrado por "...deixar em seu caminho um rastro de estrelas brancas". Isso, há pouco mais de meio século era comum, não era tratado como racismo ou preconceito.
    E Lobato, daquele tempo, não devia nem se preocupar com isso.
    Apesar da discussão não ser sobre negros e brancos, eles se enquadram na tese eugenista. Lobato foi Eugenista? Ao que tudo indica, sim!
    No entanto, experimente ler o Zé Brasil. Lá o cara acabou fazendo um pedido público de desculpas para o caipira. Cadê a Eugenia aí? E a idéia de raça superior ele colocou no bolso e seguiu a vida.
    Hoje, tudo é preconceito. Chamar o afrodescendente de preto é crime, mas o branco de "BRANCO", não.
    Prostituição é crime, pornografia não. Cá entre nós, são a mesma coisa.
    Detalhe: eu poderia facilmente entrar em qualquer sistema de cotas por aí, pois, de acordo com o que está na regra, basta ter sofrido algum tipo de preconceito. Minha irmã me chama de preto... acho que vou processá-la.
    Só para constar, meu pai é mulato, eu sou um intermediário entre mulato e branco (sei lá se isso tem classificação) e minha irmã herdou o gene recessivo e ficou branquinha como a minha mãe. Ela também é preta! Rá!

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  3. Diego, como você bem nos lembrou: Lobato critica a escravidão, assim como critica o vale do Paraíba. Lobato era um sujeito polêmico justamente por não dispensar críticas á Deus e o diabo. Ele tentava ser coerente, mas todo ser humano tem suas limitações.
    Angelo, concordo com você. Hoje em dia há uma onda do "politicamente correto" no Brasil que fica á procura de algo para atacar. Nessa procura acharam Lobato e desconsideraram seu contexto. Cometeram um anacronismo dos brabos, mas acho interessante aproveitarmos esses mal-entendidos para discutirmos conceitos como racismo, contexto, etc.

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  4. Vinicius,
    mais um ponto de vista sobre essa polêmica, é a carta aberta ao Ziraldo por Ana Maria Gonçalves.
    O caso dela é sobre a justificativa que o cartunista deu, em defesa ao Lobato, sobre ser contra a intervenção da SEPPIR nos livros daquele escritor.
    O que ela fala é sobre a perpetuação do racismo, não é bem o que falamos acima, mas é um argumento incontestável do ponto de vista dos movimentos sociais.
    Na análise histórica do movimento, devo insistir que o racismo do Lobato tem muito a ver com o contexto ao qual vivia e a atração por uma idéia que julgava boa. Mesmo que revisto perto da data de sua morte. Enfim...
    aí vai o link: http://www.idelberavelar.com/archives/2011/02/carta_aberta_ao_ziraldo_por_ana_maria_goncalves.php

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