quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Lusíndia

Samuel Benchimol é um dos monstros sagrados das Ciências Sociais no Amazonas. Intimamente preocupado com a região, propôs no decorrer de sua vida inúmeras alternativas e projetos para seu desenvolvimento. O empenho partia de alguém que sentia enorme admiração e encanto por esta terra, expressos na maioria de suas obras e ações.
Podemos percebê-lo em uma de suas últimas obras: Amazônia - Formação Social e Cultural (1999). Aqui, Benchimol pretende fazer um balanço da história não só do Amazonas, como do Pará, uma vez que falar de todos os estados que compõem a Amazônia Brasileira seria muito mais dispendioso. Logo na sua introdução percebemos que o autor toma esta obra como um compêndio de todo seu trabalho enquanto historiador, encontrando aqui dois de seus antológicos estudos sobre os judeus e os cearenses na Amazônia entre novos estudos.
Ainda na introdução podemos perceber os mestres de Benchimol, aqueles que lhe influenciaram muito: o antropólogo pernambucano Gilberto Freyre e o historiador amazonense Arthur Cézar Ferreira Reis. O último fora parceiro de Samuel por muitos anos, seja como pesquisador ou como político, e á ele cabe o posto de pioneiro na pesquisa e na divulgação do trabalho histórico no Amazonas. Freyre, dispensa apresentações, mas gostaria de ressaltar que sua influência sobre Benchimol se dá de duas maneiras: através da forma, como bem lembra o ensaísta Elson Farias, e da tese do luso-tropicalismo, mais perceptível que a primeira.
Na forma, porque o pensador pernambucano tinha um estilo que flertava com a literatura, muitos alegam até que suas obras são ensaios. Quanto á "tropicólogia", Freyre a desenvolveu como um ramo de sua sociologia dedica a estudar como se dá essa miscigenação principalmente cultural típica dos trópicos e que tem seu maior exemplo no caso brasileiro (daí luso-tropicalismo).
Como isso se reflete em Benchimol? Por meio de um estilo maduro e mais literário, típico de um ensaio, e na defesa de uma identidade mestiça por excelência por todo o livro. Nos trabalhos anteriores, o autor se dedicara á estudar a presença do judeu e do nordestino na Amazônia, nesse sua empreitada aumenta: agora ele quer ver a presença do negro, dos asiáticos, dos anglo-saxões e dos sírio-libaneses, dentre tantos outros.
Ao falar de todas essas presenças, Benchimol chega á conclusão de que a Amazônia é mestiça por excelência. Se Freyre dizia que o Brasil é a miscigenação em pessoa e o principal mediador desse processo fosse o negro, o historiador e empresário amazonense nos diz que a Amazônia é a coroação desse processo, embora o mediador aqui não seja o negro, mas o indígena. Esse processo, iniciado na colônia durante o processo de conquista, gerou uma fusão entre o elemento europeu e o elemento indígena, fusão que ele batizou de Lusíndia.
A Lusíndia permanceu assim por muito tempo, até a chegada do "cearense" (como os nordestinos em geral são chamados na região) que "abrasileira" a região, segundo Benchimol. 'Abrasileira" no sentido de integrar a Amazônia culturalmente ao resto do país, uma vez que sua formação sui generis, a Lusíndia, esteve isolada por tanto tempo. A Lusíndia, então, estaria hoje diluída graças ás levas de imigrantes e migrantes que aqui aportaram, mas a identidade caboca, filha dessa Lusíndia, ainda permance viva.
A Amazônia, uma vez destrinchada pelo escritor, é vista como uma grande lição ao mundo de harmonia, de coexistência entre tantas culturas diferentes, mas ainda cheia de contradições e problemas, principalmente econômicos e ambientais, que sua população não conseguiu resolver, seja por problemas internos (corrupção, analfabetismo) ou externos (a ganância de países estrangeiros). Á Benchimol, cabe criticarmos sua visão um tanto idílica da história amazônica, embora ele reconheça a violência desse processo de construção da Lusíndia, assim como criticamos Freyre pelo mesmo motivo. No entanto, muitas de suas reflexões ainda nos parecem válidas e promissoras, como o papel das culturas analisadas e da identidade local.

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