quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O Horror! O Horror!


Homem sendo punido no Congo Belga, início do século XX.

Sempre tive vontade de ler O Coração das Trevas do escritor Joseph Conrad(1857-1924). Nessa semana pude realizar esse sonho. Devorei o livro, o que não é estranho. Minha vontade não foi a única responsável por isso, o livro prende mesmo.

A história basicamente trata de um marinheiro inglês chamado Marlow que nos conta como participou, quando entrou para uma companhia de comércio européia, de uma expedição em busca do marfim adquirido por um funcionário tido como mitológico por seus próprios colegas e pelos nativos de uma certa região do Congo Belga. Kurtz, o tal funcionário, se encontra dentro da imensa floresta e Marlow só pode chegar até ele através de um longo e sinuoso rio.

A narrativa é como um rio: vai cada vez mais se entrenhando, entrenhando. Passamos por algumas ilhotas de reflexão e esbarramos em bancos de areia, por vezes. Há dois personagens centrais na obra: Kurtz e a própria selva. Difícil dizer quem provoca mais impacto em Marlow. Kurtz, um homem carismático e inteligente, se torna uma espécie de demônio da selva na sua tentativa de disciplinar os selvagens. Podemos dizer que ele foi engolido pela floresta.

O motivo de me interessar por este livro é justamente essa crítica feita por Conrad ao imperialismo europeu da época em que viveu. Conrad, na verdade era polônes e passou 20 anos rodando o mundo como marinheiro antes de se aventurar a ser escritor e conseguir sua cidadania britânica. Passou inclusive pelo Congo Belga. Não é de se admirar que muitos de seus livros fale sobre lugares fantásticos, a maioria dos quais já passou alguma vez em seus anos de aventureiro. Por isso quando fala dos delírios da "civilização" no mundo dos "selvagens" está falando com a propriedade de quem testemunhou tudo ou grande parte in loco.

"A conquista da Terra, o que na maior parte significa tirá-la daqueles que tem uma fisionomia diferente ou narizes mais achatados que os nossos, não é uma coisa bonita quando voce olha demais para ela. O que redime é somente a idéia". (p. 12) A idéia pode ser muito bonita, como o discurso extremista de Kurtz. "Era o ilimitado poder da eloquencia... da palavra... de palavras nobres, inflamadas".(p. 95). Mas se aventurando um pouco mais nesse "empreendimento nobre", Marlow encontra um palco cheio de cínicos, tolos, trapaceiros e mesquinhos personagens, onde as figuras mais nobres, por mais incrível que possa parecer, são os próprios "selvagens" que tentam preservar sua cultura e sua dignidade através do trabalho. Kurtz entra como figura notável também, mas com algumas ressalvas: Marlow o admira por ser um homem talentoso e altivo diante do desconhecido que propôs enfrentar, mas não admite muitas das práticas adotadas por ele para se fazer respeitado. O homem que se dizia missionário de um ideal, o ideal da civilização, passa a agir somente para si e de forma "bárbara".

Kurtz é a metáfora do colonialismo: o domesticador se torna fera, o discurso é revelado, as pontas sombrias da missão de luz são apresentadas. Marlow é oprimido pela selva tamanha sua força implacável e irresistível, ressente-se daqueles que tentam dominá-la por pura ganância, mas, como todo bom aventureiro, admira-se daqueles que desejam enfrentá-la pelo puro sabor do desafio, como Kurtz ou seu amigo russo. Mesmo assim, ainda fica a impressão de que esse reino "primordial" deveria ser nunca enfrentado. A viagem atrás do marfim e de Kurtz até o coração das trevas é um aviso á Europa de então e não é Marlow propriamente que dá o recado, mas Kurtz em suas derradeiras palavras: "O horror! O horror!"
O livro é isso e muito mais que isso, é claro. As reflexões de Marlow sobre o homem, o trabalho, a vida, a natureza são dignos de comentários sem fim, mas me contentarei em apenas abordar esse aspecto histórico do livro. Recomendo e muito este livro á todos interessados em História ou simplesmente amantes de uma boa aventura.

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Ainda em tempo: O Coração das Trevas foi publicado em 1902 e tornou-se um dos clássicos da literatura inglesa, sendo adaptado anos depois por Francis Ford Coppola para os anos 70 e trazido ao contexto da guerra do Vietnã. O nome do filme é Apocalipse Now e conta com Marlon Brando no papel de Kurtz, agora alçado á patente de coronel e de chefe de um acampamento de vietcongues.

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