domingo, 30 de janeiro de 2011

Concreto armado x barro fofo


Falando sobre História Ambiental é quase impossível para mim não deixar de fazer um paralelo com a história do Amazonas, onde a natureza parece ter travado um embate com o homem nos primeiros anos da colonização, mas finalmente foi domesticada com a Belle Epoque, pelo menos em Manaus.

A Manaus em que vivemos hoje é, com certeza, muito diferente da Manaus da borracha, mas compartilha com ela o mesmo desrespeito para com a natureza. No entanto, deixarei para o escritor amazonense Márcio Souza a tarefa de comentar um pouco esse painel:

É triste o fato de Manaus temer a selva e os rios que a envolvem. Os igarapés que a cortavam foram implacavelmente aterrados. Mesmo com os avanços da engenharia dos dias d ehoje, que permitiu o charme de ter cursos d'água cortando espaços urbanos, não se mudou de atitude, e o Prosamin, que significa a maior e mais improtante intervenção na cidade de Manaus, optou pela quase total obliteração de nossos igarapés. Quanto ao rio Negro, mantemos ás nossas costas. Este rio portentoso continua vedado ao nosso olhar, e até mesmo um camelódromo tentaram construir na área do Roadway, talvez para facilitar as atividades ilícitas que a beira do rio propiciaria, demonstra a visão curta de nossos administradores. (...)

As palavras de Souza foram recolhidas de sua coluna A Capital do Mormaço no jornal A Crítica desse domingo. O título do artigo de hoje não poderia ser mais oportuno: Destruição sob nossos olhos.

Para os que não conhecem Manaus, alguns esclarecimentos: Prosamin é a sigla para o Programa de Saneamento dos Igarapés de Manaus, projeto implementado na gestão de Eduardo Braga. O objetivo era despoluir os igarapés, retirar as casas de madeira e palafita e substituí-las por casas de alvenaria e quadras de esporte. É inegável a melhoria da qualidade de vida dos moradores dos igarapés assistidos por esse programa, mas a preservação dos igarapés, em muitos casos, foi substituída por aterros e pavimentação, reatualizando o modus operandis do projeto urbanístico da Belle Epoque que poderia se resumir em aterrar, pavimentar e embelezar.

Souza, através desse parágrafo inicial, procura destacar a incapacidade das políticas urbanas incorporarem a água (e a natureza, em sentido mais amplo) a seu traçado urbano. Já existem certas técnicas capazes de manter áreas como matas ciliares dentro do espaço urbano, mas, como pode se esperar, demandam um cuidado constante e não só do governo, mas dos próprios cidadãos. Me vêem á mente cenas como esqueletos de sofás, baldes, garrafas plásticas e detritos dividindo o espaço com os moradores originais do rio.

O desenvolvimento sustentável hoje é uma alternativa mais do que plausível; as pesquisas e projetos desenvolvidos desde a década de 80 pelo mundo demonstraram que uma convivência entre ser humano e natureza é possível e conveniente, tirando a ecologia do campo das utopias. No entanto, essa é uma opção que demanda muita responsabilidade, de todos os lados. E como vivemos cercados por administradores indiferentes e pessoas ávidas por medidas imediatistas (mesmo que paliativas), a cada dia essa solução parece ficar mais longe, como uma canoa descendo o rio.

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