sexta-feira, 12 de julho de 2013

Passagens I


Subi no comboio noturno, cansado do mundo. Sentei no primeiro acento vago que apareceu, um coberto pela luz anêmica dos postes. Relembrava o dia – as partes ruins, claro – e o conselho do meu pai: trabalho mata.
Mas algo estranho saía da escuridão. Vinha em forma de ruídos mínimos que se uniram formando uma melancólica canção. Era do meu vizinho de cadeira. Veja só, existe indícios de vida ao lado!
Era triste, bem triste. Qualquer história estava por trás dessa música e não é das mais banais. Vejo pés cansados, sorrisos sinceros, mãos calejadas e algo mais. Mas que povo não passou por isso tudo?
-Qual o nome dessa música?
A resposta veio esburacada de longas pausas.
-A canção de nós.
Só quando saímos do túnel e a luz invadiu nosso decrépito veículo que percebi que não era uma canção de nós, mas deles. Era um cara-de-cavalo, justo o tipo de mutante que mais odeio. Dei a conversa por encerrada.
-Você tem sua canção?
Será que música de boate conta? De qualquer maneira, dá inveja desse pobre diabo. Uma canção tão boa, dá pra sentir a poeira dos anos nela, naquela boca suja. E eu não sei nada próximo disso.
-Quando eu não ter certeza, cantar. Se não sei quem ser eu, cantar. Mundo fica claro.

Minha canção? Pô, cara, eu não queria entrar em outra crise existencial hoje...

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