terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Os historiadores e a Comissão da Verdade


No último dia (13/12/2012) do I Encontro Estadual da ANPUH/AM debateu-se em uma mesa redonda composta pelo jornalista Wilson Reis, os historiadores Hideraldo Costa e Benito Bisso Schmidt a relação entre a Comissão da Verdade e os historiadores. Também participou da mesa, na condição de mediador, o Prof. Dr. Auxiliomar Ugarte.
A Comissão Nacional da Verdade foi criada pela Lei 12528/2011 e começou a se estruturar em maio de 2012 tendo como meta apurar violações de Direitos Humanos entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. Ainda que o recorte seja amplo a maior polêmica tem se concentrado em um espaço de vinte anos, os anos da ditadura militar (1964-1985).

Wilson Reis, jornalista e membro do Comitê da Verdade do Amazonas, nos apresentou as atribuições do grupo e seus desafios. Iniciou sua fala perguntando: Se trata de um mesmo discurso sobre um mesmo fato? Não, a questão é dar voz aos que não tiveram, ou seja, trata-se de reparação histórica e judicial.
Uma vez cientes disso os trabalhos do Comitê estadual começaram. Uma avalanche de casos apareceram. Qual o mais importante? Qual o mais urgente? O critério para fazer a triagem de casos a serem investigados foi a notoriedade. Assim, as primeiras investigações se debruçaram sobre o suicídio do sindicalista Antogildo Paiva, o desaparecimento do militante Antonio Tomaz Meirelles (Tomazinho) e o massacre dos Waimiri-Atroari.
O relatório deste último caso causou um impacto nacional. Direcionou o olhar da cidade para o campo, dos militantes de esquerda para os indígenas. Logo depois um documentário chileno perdido veio a tona mostrando alguns detalhes de milícias indígenas criadas pela ditadura que também participavam da repressão, ou seja, índios torturando índios.

Hideraldo Costa, historiador e também membro do Comitê estadual, começou sua fala lembrando o velho mito de que a ditadura no Amazonas não foi brutal: não temos desaparecidos, não temos torturados, apenas corruptos foram cassados e jornais censurados e fim de papo. O Comitê está provando que não foi bem assim.
Quando foi instaurado o Comitê em maio do ano passado, além dos organizadores só se fizeram presentes um vereador e um deputado. Hideraldo associa a indiferença da sociedade manauara com um discurso que perpetua uma memória silenciosa e cega sobre a ditadura no Amazonas. O curioso é que os historiadores locais não se sentiram atraídos pelo tema.
O Comitê estadual, assim como a Comissão Nacional, é pautado pela pluralidade: nesse grupo formado por aproximadamente 15 pessoas a maioria são políticos, mas existem jornalistas, geógrafos e um historiador (Hideraldo). Salientou o diálogo necessário entre três áreas do saber (História, Geografia e Comunicação Social) e o intercâmbio mais que urgente com as universidades.  "A minha tarefa no Comitê é mostrar que a dinâmica da pesquisa é diferente da dinâmica da militância". A pesquisa demanda mais tempo e certos cuidados metodológicos e os movimentos sociais clamam por resultados mais imediatos, daí o embate.
Segundo o palestrante, o Comitê estadual está começando a estruturar melhor suas ações por meio da construção de uma agenda. Ressaltou mais uma vez a repercussão dos relatórios do comitê estadual: a questão indígena agora entrou na pauta da Comissão Nacional e ajudou a rever muitos dados consagrados como por exemplo o número de desaparecidos (de 465 agora subiu para 2.000).


Benito Bisso Schmidt, presidente nacional da ANPUH, dedicou-se a pensar alguns aspectos da relação historiador/ Comissão da Verdade:
1) A importância dos comitês regionais: O eixo Rio de Janeiro e São Paulo sempre esteve sob os holofotes, mas agora a diversidade da ditadura aparece nos estudos regionais. No Rio Grande do Sul a questão da repressão ditatorial se relaciona com um contexto mais amplo como os contatos com a Operação Condor. Já no Mato Grosso e no Amazonas temos a questão indígena se imbricando com a política latifundiária e ideológica. E esses são apenas alguns exemplos de casos que podem nos fazer pensar e repensar tudo o que sabíamos sobre a ditadura militar no Brasil;
2) A importância da Comissão da Verdade: O objetivo da Comissão não é julgar, mas reparar e esclarecer. Sendo assim não se trata de revanchismo como quer a direita ou de demagogia política como alega a esquerda, mas de um direito. O direito á verdade. Estas investigações e a reflexão aberta por elas é extremamente necessária porque, na visão do historiador, ajuda a expurgar os demônios da democracia.
3) O papel do historiador é polêmico: Não criamos narrativas oficiais porque não existe verdade absoluta. O que a Comissão procura é apurar a verdade absoluta. E a direção das investigações tem se direcionado sobre militantes da esquerda, endossando uma narrativa já conhecida sobre a ditadura. O historiador Carlos Fico acredita que por conta desses dois pontos o compromisso do historiador com a Comissão seja extremamente problemático. Schmidt confessa que envolve sim uma série de vicissitudes, mas isso não impede o historiador de participar desse grupo. Basta apenas que ele tenha o cuidado de diferenciar a verdade da testemunha, a verdade do Direito e a verdade da História. Quanto ás narrativas canônicas, Schmidt enxerga como um problema a ser superado e oferece o caso do Peru como exemplo: não foi investigado apenas as ações do Estado, mas também do Sendero Luminoso.
5) A relação conturbada entre História e Memória: eis aí mais um elemento problemático, aliás, elemento esse que é um dos eixos da Comissão. A memória está mais ligada ao afeto, daí a exigência dos parentes de desaparecidos, presos e torturados para que seus casos sejam devidamente investigados e reparados. Ao historiador compete um certo distanciamento para não escorregar na visão de verdade absoluta. Isso não quer dizer que ele deva se abster de qualquer compaixão, o historiador não é um robô. Apenas quer dizer que é preciso ter encarar episódios traumáticos á luz da metodologia da História.
Resumindo, o historiador pode participar da Comissão da Verdade? Na visão de Schmidt, sim. Basta que ele mantenha sempre os cuidados requeridos pelo seu ofício.


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