quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Existencialismo de Faroeste

Quem nunca brincou de mocinho e bandido?
Hollywood sempre foi uma vitrine de nossos desejos e instintos. Ela sempre se aproveitou de nosso estranho encanto pelo medo e pela violência. Se por acaso isso é mentira, como explicar o sucesso dos gêneros de terror e western? Ora, estúdios se levantaram em cima desse sucesso: a Universal produziu nos anos 20 e 30 os pesadelos mais clássicos do cinema, como Drácula, o Lobisomem e até Frankeinstein, enquanto a Warner Bros construiu sua fortuna com filmes de gangsteres, principalmente com astros como James Cagney e Paul Muni.

Mas hoje vamos falar do western. Bang-bang, faroeste ou western. Seja como for, onde estiver, quem ver na tela homens rudes e calados se enfrentando na imensidão do deserto na hora associará o filme a esse gênero. Mas faroeste é apenas isso? Homens com armas no deserto?
Me arrisco a criar uma definição para esse gênero, sem ajuda de qualquer crítico. Talvez no início, o western pudesse ser definido assim, no entanto, o século XX deu boas sacudidas no gênero. O tema tem sido constantemente revisto, praticamente desde os anos 40 com diretores clássicos como John Ford e Howard Hawks até hoje. Sendo que considero hoje como faroeste todo filme que lida com dicotomias essenciais. Como assim?
O que se vê nesses filmes constantemente é o processo de "conquista do Oeste", que aconteceu entre os anos de 1840 a 1890. Aqui vemos os Estados Unidos se expandindo a custa dos conflitos entre brancos e indígenas, se unificando a partir da Guerra Civil e, por fim, se civilizando com a industrialização. Basicamente estamos falando de uma região bravia que aos poucos é domada. O gênero já nasce nostálgico, pois é alimentado com esse sentimento de uma era selvagem, lendária e finda. 
As lendas do Velho Oeste ajudaram a tornar o faroeste bem sucedido. Lendas como Wyat Earp, o justiceiro, ou Jesse James, o facínora. Fagocitando essas lendas nasce um arquétipo: o homem solitário. Ele, que pode ser tanto um paladino quanto um vilão, não necessita de muitas palavras pra provar sua hombridade. Na realidade, ele só precisa de uma arma. No entanto, a arma é geralmente vista como extensão do caráter do personagem (e isso se faz presente inclusive nos westerns revisionistas), ela apenas endossa suas atitudes. A violência torna-se, portanto, uma ferramenta. Mas nas mãos daqueles que aspiram a violência por prazer, ela se torna um fim em si mesmo.
Aqui encontramos uma primeira dicotomia essencial: caráter versus instinto puro. O "bom" usa a violência como forma de equilibrar as injustiças, enquanto o "mau" cria estas injustiças ao glorificá-la. Você pode me perguntar: se o "bom" é realmente o bom, por que usar de algo tão baixo e primário como a violência? Devemos nos lembrar do ambiente em que as histórias decorrem: as grandes planícies esperando ser conquistadas ou o deserto de gelo quase inabitável (como no caso do filme de Sérgio Corbucci, O Grande Silêncio), ou seja, o espaço selvagem, mais conhecido como "terra sem lei". Num local tão rústico como esse, a linguagem dos brutos é a violência. Ela é apenas sua parte mais visível, uma vez que por trás dela reside toda uma série de regras. Um "código do sertão" digamos assim.
E aqui chegamos a mais uma dicotomia essencial: a regra e a exceção. A lei é generalizante, existe para todos, é um conjunto de regras que deve ser imposto a todos para que haja justiça. No entanto, há outras formas de justiça. O que não está no plano da regra é tido como exceção. Logo, a justiça com as próprias mãos, tema tão caro ao faroeste, é algo condenável. No Oeste impera essa forma de justiça, talvez por estarmos falando de uma sociedade que está se constituindo agora. A vingança pessoal poderia funcionar como uma forma de justiça primária.
Enfim, se nas capitais norte americanas a lei era absoluta, nos espaços selvagens vale a decisão individual. O diretor Sérgio Leone se apaixonou pelo gênero exatamente pelo horizonte de liberdade que o bang bang apresentava aos espectadores. Se na sociedade "civilizada" a ética imana das leis, no Oeste ela imana dos sujeitos. A liberdade de escolha permite que sejam cometidas grandes massacres ou bons acertos de contas.
Acho que já deu pra captar o que entendo como dicotomias essenciais. São aqueles pontos que não se opõem, apenas dialogam entre si. E no meio desse volta-e-trás, se estabelecem os arquétipos e lugares comuns do gênero. Por exemplo, entre o sadismo e o altruísmo se situa o homem solitário, a meio caminho de ambos (pelo menos, o homem solitário que os westerns ajudaram a construir após 1960). Entre a "civilização" e a natureza selvagem, as grandes histórias se desenvolvem. Entre a liberdade e a coerção, o indivíduo. O faroeste é feito dessas tênues e poderosas fronteiras (aliás, o conceito de "fronteira" na cultura norte-americana merece um artigo próprio).
Concordo com o filósofo Gilles Deleuze quando este diz que o western é um gênero mais ético que épico, pelos motivos que enunciei acima. Aliás, acredito até que por conta dessas constantes redefinições de seu tema, o faroeste tenha criado inclusive uma forma de pensar, uma espécie de filosofia de vida. Chamarei apenas de "existencialismo de faroeste". Afinal a questão ética trata-se de uma questão existencial. Se o homem está condenado a liberdade, como queria Sartre, é diante de imensidões como as apresentadas no Oeste que esta situação se torna mais explícita. A pouca força que as leis e outros padrões sociais exercem ali tornam a sensação de liberdade muito maior, bem como o dilema de que decisão tomar, para onde enveredar na escala da decência, dentre outras coisas.
Claro que a adoção da liberdade e da violência não são necessariamente escolhas metafisicamente planejadas pelos roteiristas e realizadores. Quem não gosta de uma boa história de ação? Quem nunca brincou de mocinho e bandido? Alguns aspectos do western estão presentes na nossa lista de fetiches. Na maioria das vezes obedecem ao gosto das massas: se é aventura, liberdade e violência o que querem, que isso seja colocado na tela. No entanto, o que estou fazendo aqui é apenas um exercício de interpretação muito livre (e fuleiro) sobre o gênero. Sim, talvez alguns filmes não tenham tido essa preocupação aparentemente, mas outros tiveram. É um caso a ser estudado.

Parafraseando o grande filósofo Gaguinho: por hoje é só, pessoal. Mas por conta da amplitude do tema e do meu apreço pelo gênero (pronto, falei!) falarei aqui mais vezes sobre westerns e sua filosofia. Até breve!

Nenhum comentário:

Postar um comentário