quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Comemorar?


Em 15 de Novembro proclamou-se a República. A república que não foi. Hoje, mais que nunca, sabemos disso. Depois de maracutaias, crises e golpes chegamos á uma república embaraçada por não ser tão popular quanto tencionava ser.
O Império reunia uma espécie de valor simbólico ao redor do seu monarca. Aura que blindava o imperador e de quebra conferia unidade ao Brasil, é o que dizem. É importante lembrar que a legitimação da monarquia no Brasil foi iniciada durante o período da Regência por uma equipe de políticos e intelectuais. A unidade territorial foi mantida, mas a forma como ela foi construída (por meio da conciliação de interesses ou então imposição central) acabou por abalar os alicerces desse regime. Províncias como São Paulo ou Rio Grande do Sul abraçaram o republicanismo por conta de sua promessa de autonomia regional.

No entanto, algo não se pode negar: em relação ao Império, os republicanos contavam com menos aceitação popular. Alguns nomes já eram conhecidos e admirados pelo seu papel em eventos das décadas finais do Império, como é o caso do marechal Deodoro da Fonseca que lutou em mais de três batalhas no Paraguai. Ou seja, o novo regime precisava se legitimar como a monarquia o fez durante a Regência e aí temos a garimpagem de heróis e símbolos de ideologias vinculadas ao novo regime, como nos mostra muito bem o historiador José Murilo de Carvalho em A Formação das Almas.
Novos estudos como o de Maria Thereza Chaves Mello, A República Consentida, revisitam o silêncio do povo diante da Proclamação. Por meio da imprensa e de conferencias, líderes republicanos e positivistas conseguiram difamar nosso "Antigo Regime tropical" contribuindo para que a maioria da população não se indignasse com o fim do Império. O silêncio popular foi o silêncio do consentimento. Mas fé no novo regime também não havia. Quando a República sinaliza seu caráter aristocrático, as revoltas pipocam tendo motivos vários como pretexto, como é o caso de Canudos.

Os primeiros anos do novo regime ficaram conhecidos como República do Café com Leite, dada a importância que os estados de São Paulo e Minas (respectivamente, os maiores produtores de café e leite, dois itens que alimentavam o grosso da nossa economia) tiveram em seus arranjos políticos. Hoje nosso sistema político é outro. Depois de várias mudanças constitucionais (algumas até bisonhas), chegamos a um sistema representativo que lembra em muito o das modernas democracias liberais. Ainda assim, a corrupção, o elitismo e a apatia política perduram, claro, com novos nuances.
Por causa desse status quo, vejo muitos argumentos perigosos se desenvolverem e ganharem inúmeros adeptos: primeiro, o de que a transição de regimes não significou nada, uma vez que nada mudou; segundo, hoje estamos pior que antes, já que durante o Império não existiam tantos escândalos. O primeiro desclassifica a transformação histórico, o segundo idealiza um passado que nunca existiu. A corrupção não é uma invenção exclusiva da República, mas uma prática que já nos acompanha de longe. Na realidade, muitos pesquisadores tentam entender como a corrupção se transforma com o tempo, como esse fator estrutural dialoga com o contexto, ou seja, como ela se adapta aos novos tempos.

Quanto á negação de mudanças, tão habitual ao conservadorismo, ela tem suas raízes, nesse caso em especial, na interpretação da corrupção e do autoritarismo como um dado estrutural da nossa sociedade, quase como um órgão monolítico. Claro que o modo como se rouba hoje não representa o mesmo modo como se fazia no passado, embora os motivos para tal crime deem a impressão de que nada mudou. Há outros aspectos, que nos parecem menores á primeira vista, que devem ser levados em consideração, como a gradativa conquista de espaço da população e dos movimentos sociais na política. O reconhecimento do poder da massa e das organizações da sociedade civil fez com que a classe política tentasse cooptá-los de diversas maneiras como foi o caso do trabalhismo e do populismo. Até que ponto conseguiram ou até que ponto o povo se aproveitou disso são outros quinhentos.
Bem, então voltemos á vaca-fria: hoje é 15 de Novembro e o que temos a comemorar? Pouca coisa na verdade, mas nem por isso devemos jogar a República Velha ou todo os 120 anos do regime republicano no lixo. Antes, devemos ter essa longa trajetória em mente para saber o que ainda nos impede de termos um governo democrático e um povo compromissado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário