segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Velozes e melancólicos


Ah, o existencialismo! Uma das filosofias de vida mais populares deste século (os hipsters, classificariam como "mainstream"). Eis que vejo Drive (2011) e percebo, além do caldeirão de referência ao cinema de ação, esse nosso colega.
O motorista sem nome (Ryan Gosling) encontra o sentido de sua vida, violenta e perigosa, na casa ao lado. Uma família a espera de um novo pai e um novo marido. E ele a procura de uma mulher e um filho. No entanto, as coisas nem sempre são perfeitas. No meio do caminho está o marido que saiu da cadeia, o roubo mal sucedido e dois mafiosos truculentos. O motorista sem nome então tem de usar seu sangue frio e sua violência para proteger quem ama (sim, clichê, mas bom).
O roteiro é pobre, mas a narrativa e os personagens, meu amigo... Drive usa violência explícita, mas de forma "moderada". Os diálogos são poucos, as interpretações são ricas.  E é assim, cultivando paradoxos, que o filme constrói sua identidade.
E que identidade seria essa? Drive está a meio caminho entre o thriller e o sonho. A estética do filme, sempre privilegiando o brilho falso das luzes da cidade e a noite, e o figurino dos atores remete a um universo um tanto retrô (a década de 80 pra ser mais preciso). Ao mesmo tempo, esse é o presente: o layout dos carros deixa isso bem claro. É essa união de tempos que dá a sensação de estarmos pisando em um sonho, o casamento de duas eras distintas.

Ah, voltando ao existencialismo. Talvez essa incerteza temporal tenha sido planejada. Afinal, como dissemos antes, nosso herói é um aventureiro existencialista. Em seu mundo, tudo parecia vazio, menos os momentos que passou com Irene (Carey Mulligan) e seu filho. Daí a sua frieza e calculismo, a ausência de palavras e de afetos. A adrenalina e o dinheiro perdem o valor quando ele encontra uma família.
Aliás, esse tipo de vida não é privilégio do personagem principal. O mafioso cruel (Albert Brooks) não é muito diferente do protagonista. Leva a mesma vida melancólica do herói e também não se esconde atrás da adrenalina. O mecânico manco (Brian Cranyston) é um homem ganancioso, mas simpático. Vacila aqui e ali. Sua relação com o rapaz é sempre pautada pelos negócios, o espaço para a afetividade é relativamente pequeno.
No universo de Drive tudo parece ser indiferente e distante, por mais radical e violento que seja. O fato de não apelar, como os blockbusters fazem, faz com que se tenha dois tipos de reações possíveis diante do filme: ou se odeia ou se ama. No meu caso, foi a segunda opção. Ainda assim não acho que o filme seja tudo isso que estejam falando. Há críticos que dizem que esse filme é um divisor de águas. Penso que também não é assim.

Nicolas Winding Refn constrói um filme-tributo a todo um gênero, assim como faz Tarantino. A diferença é que o resultado aqui é menos divertido e menos explícito. As referências tem de ser garimpadas. 
A trilha sonora? Música eletrônica. Em alguns momentos tenho a sensação de que é muito retro para o estilo dos filmes de ação, mas essa é a intenção. Os mafiosos parecem meio anacrônicos, assim como nosso protagonista. O mundo marginal do filme é tem um charme, uma aura cult.
Interessante o modo como o diretor privilegia a face de Ryan Gosling. Lembra os longos close-ups dos bang bangs de Sérgio Leone. É um cineasta sem medo de perder alguns minutos com uma mesma cena, não se deixa levar pelo frenesi, por isso a violência aqui parece muito orquestrada. Novamente outro elemento que me lembra Leone.
Falando no protagonista, ali está o clichê em pessoa. O cara durão de poucas palavras, que sabe brigar, tem sempre um plano. Só o que muda é a jaqueta. E se ficou alguma dúvida de que ele é um cara durão, ali está o palitinho na boca pra comprovar. Se o símbolo de Stallone já foi uma cobra, esse aqui utiliza um escorpião. Outro animal peçonhento e perigoso. Se ele parece gente boa perto de Irene, basta que um antigo cliente venha lhe perturbar com um novo serviço numa má hora que ele mostra suas garras. E quando é preciso agir, solta todo seu veneno. 
Ele é desconstruído, aos poucos. Continua enigmático, mas sabemos que é violento, sensato e carente. Tão carente que o nível de amor para com Irene é quase platônico. Lembra e muito os cavaleiros errantes retratados pelos trovadores. Ao mesmo tempo em que é um bandido é um herói. É cruel e violento, mas também é romântico e amável. É a brincadeira com os lugares comuns. Isso não é nenhuma novidade, como falamos isso já vem sendo feito por inúmeros diretores.
A grande originalidade do filme está em fazer isso com uma refinação própria. Ao invés de seguir a escola de Tarantino ou de David  Lynch (pra pegar o outro extremo do cinema), Refn faz seu filme de uma maneira diferente, apostando nesse olhar melancólico e anacrônico. Isso é inapropriado para um filme de ação?
Penso que a melancolia, assim como o humor, estão presentes nesse gênero. O que os novos cineastas tem feito é salientar essas características menores desses filmes em suas produções. Em Tarantino e Robert Rodriguez temos um filme sem vergonha de se assumir tosco. Em Refn, temos um filme que assume sua tendência existencialista. A marginalidade aqui parece fatalista, amarga. Substitua a tecno music pelo jazz, o motorista pelo escritor e então percebemos que estamos mais perto de Truffaut e Goddard do que Leone e Fuller. Por escolher ficar entre a Nouvelle Vague e o cinema de ação, Drive revela ser um filme que vale a pena ser assistido.

Nenhum comentário:

Postar um comentário