sábado, 22 de setembro de 2012

Faroeste Caboco: As balas mandam lembranças I



-André, André...
Mineiro abria os olhos e se deparava com o irmão. Na escuridão do quarto, lá estava ele, encostado na janela. Se assustou, mas continuou na cama. Não soltou um pio. Esperou a visagem dar o primeiro passo.
-Você não vai fazer nada?
Na sombra, o irmão falecido se dissolvia. André enxugava os olhos, mas continuava olhando para a janela. Talvez ele voltasse.
Uma piscadela e já era de manhã. Enquanto se arrumava para ir procurar emprego, as palavras do irmão ecoavam em sua cabeça. Assim como a sua morte mal resolvida.
Semana passada sonhou com a cena. Um rapaz correndo (seu irmão). Um beco. Um revólver. Um corpo.
Mineiro sempre foi quieto, mas agora está quase mudo. Ninguém sabe quem silenciou seu mano. O pai tem quase certeza que foi um policial e amaldiçoa essa classe todo dia. A mãe não diz nada. Já conseguiu sair de seu quarto, o templo de sua depressão, mas continua amarga.
Se eu tivesse a minha perna ainda eu matava eles, dizia Juvenal. O pai de Mineiro tinha sido peão em duas oportunidades: no sertão e na fábrica. Quando ainda tratava de gado, era o responsável por espantar os bandidos. Ainda guarda sua garrucha até hoje.
Já faz um mês, pensa André a caminho do centro. “Você não vai fazer nada?” E o que posso fazer?
Mais duas entrevistas de empego inúteis. A banca de jornal lhe interrompe a caminhada. A manchete: SEGUNDO ASSASSINATO NO ZUMBI – Execução fria á luz do dia.
Na tarde de ontem, um adolescente foi morto com tiros em uma padaria no bairro do Zumbi. Testemunhas dizem que se tratava de dois homens em uma moto. Há suspeita de que seja um crime encomendado por traficantes.
Mais um. A cena volta á cabeça.
Berto estava num bar com os amigos, conversando. Carros passando. Um tiro. Todos correm. A moto segue apenas Berto. Tinha entrado num beco: azar. Quatro balas.
André chegava na rua. Cochichos. A fofoca rolava solta, como de costume, mas havia um tom lúgubre na face das velhas senhoras. O pai estava no portão de casa conversando com China.
-Pois é... E dizem que a moto passou duas vezes pela padaria, antes de atirar. Pra ter certeza.
-São uns filhos da puta mesmo...
-Pessoal tá dizendo aí que foi coisa do Capa Preta. Diz que a moto era a dele.
-É bem coisa desse desgraçado mesmo. Eu ainda desconfio que ele tem algo a ver com o Berto...
O trecho da conversa que pegou acompanhou-lhe até a cozinha, onde iria fazer o lanche reforçado (pão com manteiga, café e biscoito de água e sal). Capa Preta, o famoso Toninho Carrasco. Matador quase mitológico nessas bandas. Seus patrões mudaram: de jogo do bicho a tráfico. Mas ele continua eficiente.
Sua vítima, quem era? Fabiano Touca. Um vagabundo, filho de dona Cremilda. Vivia pedindo dinheiro emprestado pra sustentar o vício. Se você quisesse achar Fabiano bastava olhar nas bocas de fumo e nos bares daqui até o Coroado.
O Touca não era nada, mas se achava o galã das bocadas. Parecia um pica-pau. Mas ultimamente andou meio sumido, cortou o cabelo e até emagreceu. Ele estava muito parecido com... Berto.
Enquanto mascava o pão francês de anteontem, André Mineiro chegava a uma conclusão nenhum pouco animadora. Berto, muito parecido com o Touca e seu novo layout, estava no bar que o ex-pica-pau frequentava. Quem o matou também estava numa moto.
Capa Preta. Era ele o homem por trás do revólver. Parece que ele não foi tão eficiente assim: as balas que seriam para Fabiano pegaram em Berto.
-E você não vai fazer nada?

(Continua...)

Um comentário:

  1. Entendi, então ele foi assassinado por engano. Pego na disputa pelo tráfico.

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