sábado, 11 de agosto de 2012

Tempo é relativo e desperdiçar é feio!


Já era meio-dia. Metade da garrafa estava vazia e no prato só tinha sobrado pequenos montes de arroz e farofa. O ventilador assoprava para fora do prato os grãos desgarrados. A senhora da mesa ao lado pagou o garoto e se levantou. Vai aproveitar e pedir a conta também. Mas pensa na cerveja. 
-Graaande seu Laurindo!
-Fala mestre!
Agora não tem mais como escapar: Beto e Cabelo chegaram. Já chegaram perguntando do jogo de ontem.
Esperam a interpretação mágica de seu guru.
-Rapaz, aquilo foi... uma merda.
Cabelo lamenta, mas não deixa a bola cair. Botafogo vai contratar sangue novo. E sangue bão!
O garoto está na frente da mesa esperando os dois penetras fazerem o pedido. Bife e tambaqui.
-E fala com Dona Zuleide que não tem melhor prato feito nessa redondeza...
Bem, de volta ao papo. E qual era mesmo o assunto? Botafogo. Vai contratar o Ganso.
-Ganso? Quem disse?
-Você disse!
-Não! Disse que iam contratar gente de fora do Rio...
-E de fora da granja, completa o velho.
Ninguém entendeu a piada, mas riram mesmo assim. Cabelo vai perguntando de Laurindo sobre cada rodada do Brasileirão e Beto... dobra o papelzinho do banco em uma tira fina. O velho vai respondendo, cada vez mais aumenta o tom da voz. A cerveja já está no finalzinho.
Dois rapazes ao lado cismaram com as tatuagens de Cabelo. Bando de playboy, pensava.
Os pratos chegam. Com aquela fumacinha quentinha saindo ainda. Dá até mais gosto de comer.
E o garoto também trouxe as cervejas. Aquelas do fundo da geladeira.
Beto puxou uma história de um primo seu que caiu num golpe aí. Prometeram 60% de lucro pra ele.
-Você me desculpe, mas o cara que entra num negócio só porque prometem 60% é burro!
-É, ele é doido...
-Não. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Quer saber se o cara é maluco? Manda ele comer merda ou rasgar dinheiro pra tu ver...
-Não, ele não é doido de tanto assim...
-Rapaz, te aquieta! Seu Laurindo sabe do que tá falando!
E Cabelo enche o copo do velho. Logo agora que ele tava se preparando para sair; já tinha terminado a garrafa e já estava quase se levantando. Bem, o jeito é continuar. Desperdiçar, nunca!
Agora, silêncio. Os caras comendo, o velho bebendo. Dona Zuleide aparece para dar uma olhada na rua e fica escorada na porta.
-Dooona Zuleide!
Beto faz reverências. Laurindo bate uma continência. A senhora, enxugando a mão no avental, vem cumprimentar o trio. Pergunta se já arrumaram emprego - a resposta é a de sempre - e se estão gostando da comida - já essa resposta é diferente. Laurindo diz que se eles conseguirem emprego vão estragar a tradição de família.
Beto limpava o bigode, como um gato. Mas coçava o suvaco como um chimpanzé. Bem, o copo já está vazio e o relógio só falta dar um tapa no velho para que levante da mesa. Eis que Cabelo ergue a garrafa e repete novamente seu ato solidário. Apesar das negativas de Laurindo.
-Não, não! Rapaz, eu tenho que ir embora...
-Que isso, Seu Laurindo! Agora já coloquei. O senhor vai fazer essa desfeita? Desperdiçar é pecado, em!
Como o velho é um boêmio muito do casto, volta á mesa. As horas se passam e os três amigos continuam reunidos. Não fosse o desperdício nunca colocariam o papo em dia.

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