sábado, 4 de agosto de 2012

Pingos nos is II



Uma das maiores heranças da ditadura militar foi essa brutalização da vida política. O Brasil antes já sofria nas mãos dos coronéis, mas eram poderes localizados. Agora, a repressão é muito mais articulada. E muito mais eficiente, pois não se faz ser sentida como antes. Ora, se nossa participação política fosse maior com certeza ela seria mais explícita. Afinal, diante da indiferença não há porque ela se preocupar.


Eis aí outro erro meu. O quadro que pinto no final do post Faculdade da Dor é extremamente desalentador. O que ressalto é o lado podre da atualidade, mas da forma como o faço acabo por negar mudanças fundamentais como a democracia, a força da opinião pública, a ação dos movimentos sociais. Em outras palavras, negar tais transformações, uma prática muito comum na historiografia tradicional, é detratar o peso das mudanças e valorizar o passado abordado.
A impressão que tive ao ler meu texto uma segunda vez foi: "Meu Deus! Eu falo tanto daquelas velhinhas que suspiram de amor pelos tempos da ditadura quando vêem o estado em que o Brasil está hoje e aqui estou eu quase que dizendo isso!" Por isso estou escrevendo estes esclarecimentos. Podia muito bem editar o post, retocar o parágrafo e deixar tudo bonitinho, mas isso não seria ético. Transparência é do que precisamos. Temos que praticá-la quanto mais pudermos.
Vamos lá: a repressão, como discutimos antes, não é mais uma ferramenta do Estado como era antes. Hoje ela tem um efeito muito mais disperso. O subversivo é o criminoso e sobre todo pobre paira a aura de suspeito. A repressão hoje é muito menos ideológica e mais econômica. Quando digo que ela não é mais explícita porque não participamos tanto dela estou querendo dizer que essa elite encravada no poder não se sente tão ameaçada pelo povo, graças a sua indiferença política, mas ainda assim tenta controlá-lo. E quando o clientelismo não funciona, usa-se o porrete. Quando alguém sai do bairro pobre e entra em um bairro residencial, todos ficam preocupados.
A eficiência de que falava reside nisso. Na interiorização das fronteiras sociais. As rondas policiais ou os aviões do tráfico só servem como lembretes que existem as zonas vermelhas e as zonas limpas da cidade. Os grupos de extermínio agem mais nesse sentido da limpeza social. E, vejam só, o discurso higienista é ressuscitado novamente nas falas do prefeito paulistano Gilberto Kassab quando fala dos feirantes, por exemplo. É algo que relembra muito a Belle Epoque.
Sim, a herança do regime militar foi nefasta e se faz mais visível nestes esquadrões da morte (que por sinal são mais antigos, remontam aos anos 50, mas se aparelharam melhor durante a ditadura) e na política apática que temos. O povo não se envolve com política não só por preguiça ou alienação, mas também por medo, afinal quem o fazia há trinta anos atrás corria o risco de desaparecer. É preciso levar isso em conta também quando falamos em indiferença política.
Mas o espólio da ditadura foi quebrado em grande parte por dois pontos: a transparência que as mídias permitem hoje e a ação dos movimentos sociais. O governo Lula, apesar dos seus defeitos, fez um feito histórico ao debater, por exemplo, a questão do racismo através das medidas das cotas raciais. Embora não concorde totalmente com essa medida, não posso negar que elas incentivaram um debate muito produtivo sobre a questão étnica e cultural em nosso país. O mensalão é o símbolo maior não só da corrupção em nossos dias, mas da transparência. Afinal, as mídias agora desfrutam de maior liberdade. Antes, revelar um esquema de tal magnitude era quase impensável devido á força do governo.
No entanto, aqui tenho minhas ressalvas. A opinião pública está muito mais consciente da política? Será mesmo? Afinal, quem forma a opinião pública são as mídias e elas são controladas por empresas que podem fazer lobby com políticos, partidos, conglomerados, etc. Os misteriosos dossiês contra Aloísio Mercadante e José Serra que saíram quando se candidataram ao governo do Estado de São Paulo e a ligação de Carlinhos Cachoeira com os repórteres da Veja nos faz pensar muito nisso.
De qualquer maneira, hoje temos mais condições e mais campo de ação que antes. Temos uma possibilidade maior de realmente construir uma sociedade mais democrática em nosso país. Estamos vivendo os ares da democracia, mas, como vimos, ares que são limitados por alguns fatores históricos e outros mais circunstanciais. 

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