sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Pingos nos is I


"A brutalização não acabou. Ela só mudou de cara. Pode ser que muitos considerem a violência como instrumento do governo como algo impensável hoje, como se apenas traficantes e esquadrões da morte a utilizassem. Mas pensemos mais um pouco. Pensemos no caso de Pinheirinhos, da reintegração do Bairro da Paz em Manaus, na Marcha pela Maconha, enfim, pensemos em movimentos sociais discordantes do governo, seja ele municipal, estadual ou federal, que foram reprimidos com uma certa força desproporcional á sua ameaça. A polícia, por mais avançada que esteja hoje, continua sendo usada ainda como jagunçada. E isso é preocupante".

Foi isso que eu afirmei num post anterior sobre a tortura no Brasil. Resumindo, falo de que o autoritarismo ainda persiste, bem como a tortura. Aqui devo dois esclarecimentos ou três. Primeiro, o texto tratava da tortura como instrumento do Estado. Uma ferramenta para construir um consenso geral, o que passa pela eliminação da oposição. Quando digo que a brutalidade não acabou, fica implícito que a tortura continua nesses moldes, quando não é verdade. Não que a tortura não exista mais, nada disso, mas que ela não tem mais esse caráter estatal. Já a violência policial por ora é utilizada pelos governos como forma de ferramenta.
A função primordial da polícia é manter a paz. É fornecer segurança. Quando um batalhão policial acompanha um caso de reintegração de posse, em tese, seu serviço ali seria impedir que conflitos maiores acontecem. No entanto, é pela presença dos batalhões que os conflitos se intensificam. Afinal, as pessoas não querem deixar suas casas. Qual é o principal culpado por isso: a polícia, o morador, o poder público ou as empresas imobiliárias. É óbvio que a polícia não é o grande vilão aqui. Apenas é a parte mais visível dessa grande engrenagem da política brasileira.
Historicamente nossa política é estruturada na corrupção, no clientelismo e no autoritarismo. E aqui reside um dos meus erros cometidos nos momentos finais do artigo passado: creditar á ditadura militar um dado historicamente anterior á ela. Essas características apenas se remodelaram com o novo regime. O autoritarismo se desenvolveu num intricado emaranhado de aparelhos repressivos que passavam desde os grupos paramilitares até o serviço de informações. A corrupção continuou acontecendo, embora alguns sacerdotes da "Redentora" tenham tentando eliminá-la com a Comissão Geral de Inquéritos, mas depois reconheceu-se que se tratava de um trabalho homérico e esta passou a contar com a conivência do regime, principalmente através do silêncio que impedia que notícias cabeludas dos tratos palacianos vazassem e desacreditassem o governo.
O clientelismo ficou menos explícito, se compararmos com o período anterior (a república populista). Mas ainda assim perdurava. Uma vez que os "pistolões" podiam colocar no local certo alguém errado, digo, alguém da família. Vide a Bahia de Antonio Carlos Magalhães ou o Maranhão de José Sarney. Um fato interessante é que a ditadura militar, traumatizada com o poder do populismo, tentou retirar a dimensão popular da política partidária. Antes, o trabalhismo movimentava milhões. Depois, como bi-partidarismo e todas as regras impostas pelo Tribunal Eleitoral o espaço dos candidatos foram diminuindo no canal de comunicação com o povo.
Hoje, a corrupção continua. Não sei se em um grau maior ou se no mesmo patamar. Talvez a maior visibilidade que temos agora com a imprensa apenas tenha revelado algo que sempre teve esse tom. Não sei dizer. O clientelismo, bem... Taí. Venda de votos e de cargos não é nada anormal para nós. E quanto ao autoritarismo eu vejo que ele também se remodelou. Se adaptou ás regras democráticas. Superficialmente estamos cheios de democratas e liberais, mas a política brasileira ainda é conservadora. Vemos, por exemplo, políticos envergonhados de apoiar decisões como a da remoção dos moradores de Pinheirinhos, mas que mesmo assim apoiam. A melhor solução para eles é a solução da força, mas não admitem.
Enfim, muita coisa mudou. Algumas mais radicalmente que outras.

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