domingo, 26 de agosto de 2012

Crônicas das águas


Em homenagem ao grande poeta das águas, Alcides Werk (1934-2000).

ÁGUA CORROMPIDA
As pequenas ilhas são  sofás, caixotes.
Os peixes agora são garrafas peti,
os verdadeiros, de carne e osso, viraram fantasmas.
Quem sabe aquela bolha ali seja mais um agonizando.
As casas com as canelas finas mergulhadas no igarapé
e os urubus na outra margem despovoada
apenas observam essa triste metamorfose
da água cristalina em alguma forma de pixe.

CALÇADA
A mangueira rega a calçada
e as plantas sedentas ao redor
observam a vida que escorre.


DA POESIA
Água - simples, cristalina e vivificante.
A poesia almeja ser como a água.
O poeta é como um alquimista,
mas sua meta não é fazer do chumbo ouro, mas água.
-Já saciou sua sede de poesia hoje?


TORNEIRA
A válvula abre
e ela jorra.
Mãos sujas,
pratos manchados
e copos usados
agradecem a pequena cachoeira encanada.

TIETÊ
Água maltratada pode ser vingativa.
Enjaulada pelo concreto,
espera as chuvas para sua vendeta.


ENCONTRO DAS ÁGUAS
Duas cores se abraçam
no meio da serpente líquida.
É o espetáculo que se repete á milhões de anos
- A Natureza sempre pede bis.

POROROCA
A onda vem engolindo as margens só para depois devolvê-las.
Vem rápida, arrasta troncos e desavisados.
E se dilui no rio-mar,
afinal esse é o destino das ondas solitárias.


HORA DO ALMOÇO
Pernas e braços batendo,
pranchas e bóias se mexendo.
Há sempre algum tubarão faminto
que aprecie esse caos.


DESENCONTRO DAS ÁGUAS
Manilhas vomitam no rio
podridão e desrespeito.
Se peixes pudessem chorar
já teriam salgado essas águas á muito tempo.


PARAÍBA DO SUL
O barro divide espaço com o lixo.
O rio assiste á estranhos monumentos tentando domá-lo.
Corre, enquanto pode, para seu encontro com o oceano.

A MAGIA DAS ÁGUAS BARRENTAS
Na água turva, ocorre a transformação:
Jacaré vira tronco
Peixe vira folha-seca
Tartaruga vira pedra.
E alguns seres desaparecem,
como aquela cobra que estava olhando para a folha-seca.



Um comentário:

  1. Versos belos e pertinentes, que se tornam mais urgentes à cada dia. Quando acordaremos para a realidade de que a água não é um bem inesgotável, quando compreenderemos que estamos eliminando dia-a-dia o nosso próprio futuro?

    Ótima postagem, uma bela homenagem ao poeta que eu ainda não conhecia.

    http://sublimeirrealidade.blogspot.com.br/2012/08/monty-python-em-busca-do-calice-sagrado.html

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