sábado, 25 de agosto de 2012

Outros Agostos [série]


25 de agosto de 1961. Jânio Quadros, após sete meses de governo, renuncia ao cargo de Presidente da República. As razões desse evento até hoje são nebulosas.

A própria ascensão de Jânio Quadros, de tão repentina, é quase incompreensível para muitos. Seu governo foi polêmico, perdendo só para o governo de Jango Goulart, após sua renúncia.

Jânio nasceu no Mato Grosso do Sul, mas passou boa parte da infância na capital paulista. Lá inicou sua carreira como professor de Português e como político. Na década de 40 se tornara deputado estadual e depois prefeito de São Paulo.

Seus discursos atraíam muita gente. Para o povo, Jânio falava difícil, mas algo na sua fala sensibilizava as pessoas: a promessa de atacar a corrupção, preservar os bons costumes e a Nação.

Jânio tentava se aproximar do povo por meio de alguns truques: fazia questão de não tirar a caspa que caía sobre seus ombros, descia dos palanques para falar com o povo, andava sempre com um sanduíche de presunto no bolso, etc. Isso tudo contribuía para criar uma imagem de "alguém como nós" e ao mesmo tempo de um excêntrico.

A União Democrática Nacional (UDN) não tinha um líder carismático em seus quadros. Carlos Lacerda tinha uma oratória forte, mas não conseguia se livrar da pecha de "inimigo do pai dos pobres" e, por tabela, dos pobres.

Portanto, quando Jânio se filiou ao partido era a chance da UDN finalmente ganhar uma eleição. Na época, a eleição para presidente e vice-presidente era separada, desvinculada. Jânio passou a ser conhecido em boa parte do Brasil por seus discursos e anedotas a seu respeito, enquanto seu vice, Milton Campos, só era conhecido em Minas. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) apostava no Marechal Lott como presidente e em João Goulart como vice. Lott não era tão popular, apesar de ser reconhecido como homem íntegro, enquanto Jango era popularíssimo. O resultado: Jânio foi eleito presidente e Jango vice.

A campanha de Jânio foi construída em cima do slogan: "varre, varre vassourinha/ varre, varre a bandalheira/ que o povo já tá cansado/ de sofrer dessa maneira". Seu governo, contudo, não foi marcado por uma caça aos "marajás", porque eles já estavam muito bem enraizados no poder. Procurou-se então construir um grupo de político realmente eficientes. Jânio pegou emprestado do primeiro-ministro inglês Winston Churchill o hábito de escrever pequenos e rápidos memorandos para seus funcionários - os bilhetinhos poupavam da lentidão da burocracia.

Aliás, Jânio possuía alguns ídolos que contrariavam sua posição de conservador: Gamal Nasser, presidente do Egito, e Jawarhal Nehru, presidente da Índia. Nasser tinha nacionalizado o Canal de Suez, antes propriedade da Inglaterra que dominava todo o Egito. Nehru tinha continuado com a luta de Gandhi de livrar a Índia do poder da Inglaterra e foi um dos defensores da criação de uma liga de países que não concordavam com a Guerra Fria. Eram dois líderes importantes na descolonização da Ásia, fenômeno que estava longe de acabar na década de 60.

Jânio queria fazer algo parecido com o Brasil: descolonizá-lo economicamente. Convidou Santiago Dantas e Afonso Arinos, dois juristas consagrados, para ajudá-lo. Juntos formularam a Política Externa Independente (PEI) que basicamente defendia que o Brasil não deveria se orientar pelo que o EUA ou a URSS dizia.
Afonso Arinos foi seu executor. Promoveu viagens e acordos com os países africanos e asiáticos (o vice-presidente Jango foi até enviado para a China de Mao Tse Tung para uma missão diplomática).

Nesse ponto o governo de Jânio Quadros foi revolucionário, até então nada desse porte tinha sido feito com sucesso. No entanto, algumas medidas lembravam de sua posição um tanto conservadora: como a proibição do lança-perfume (que tinha lhe feito perder um olho quando criança) nos carnavais, das rinhas de galo e do biquini. Isso demonstra como Jânio era ambíguo: por um lado, moralista, por outro, revolucionário. 

A cúpula da UDN não gostava de sua outra face. Já suspeitavam de que Quadros faria algo que os desagradassem. As primeiras discussões entre Jânio e Lacerda começaram. Lacerda tinha sido eleito governador da Guanabara (até então, o Rio de Janeiro era dividido em Distrito Federal e Estado da Guanabara), mas continuava a transmitir seja pelas ondas de rádio ou pelos comícios seus virulentos ataques á seus opositores. A discussão entre os dois políticos, no entanto, ainda era algo particular. Afonso Arinos era o conciliador, fazendo de tudo para que ambos não rachassem o partido. Mas era inútil, já se percebia que existia uma ala da UDN encantada com o presidente (os janistas) e outra á favor de Lacerda.

A situação piorou quando á 21 de agosto de 1961, Jânio condecorou com a Medalha Cruzeiro do Sul, a mais alta honraria militar, o guerrilheiro e então ministro de Cuba, Che Guevara. Como um homem que se diz de direita pode condecorar um guerrilheiro comunista com uma ordem militar?
Era o que se perguntavam os demais membros da UDN. Lacerda, como provocação, convidou o líder anti-castrista, Manoel Verona, para receber a chave do Estado da Guanabara.

Na realidade, Jânio foi procurado pelo Núncio Apostólico do Brasil que pediu que ele intercedesse por quinze padres e bispos que seriam fuzilados em Cuba. Jânio pediu que Che não os matasse, apenas os exilasse. Atendendo ao pedido do presidente brasileiro, Che foi convidado, como prova da gratidão de Quadros, para ser condecorado. Mas não adiantava mais explicar. O ato em si foi visto como um heresia pelas Forças Armadas e pelos setores mais conservadores que até então apoiavam o presidente. Lacerda já o chamava de golpista.

Quatro dias depois, Jânio entregava ao Congresso Nacional sua carta de renúncia. Dizia que "forças terríveis" obrigaram ele a fazer isso. Alegava que tentou trabalhar pelo Brasil, mas a "reação" foi mais forte.
Cláudio Lembo, que trabalhou com Jânio quando este foi novamente prefeito de São Paulo na década de 80, lembra que em momentos de pressão sempre preparava uma carta de renúncia que depois de um tempo acabava engavetada.
Outros acreditam que a carta de renúncia foi um blefe: sabendo da sua popularidade e do medo da UDN que seu vice, tido como comunista, assumisse, Jânio esperaria que o povo e o Congresso Nacional pedissem para ele ficar.

Nada disso aconteceu. O Congresso aceitou sua renúncia e a UDN e alguns militares trataram de impedir a posse de Jango. Uma junta militar com o apoio do Congresso assumiu o poder. Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul e cunhado de Jango, começou uma campanha pelo rádio e imprensa á favor da posse de Jango. Os demais partidos temiam que não houvessem mais eleições e apoiavam a posse de Jango. As duas partes chegaram a um acordo: o Ato Adicional N. 5. Basicamente quem governaria o Brasil seria um primeiro-ministro e não o presidente. O Ato Adicional N. 5 trouxe o parlamentarismo para o Brasil. Só em 1963, com um plebiscito, o parlamentarismo cairia e Jango passaria a governar o país de fato. A experiência foi curta. Em 31 de março de 1964, ele seria deposto por batalhões militares vindo de Minas Gerais.

No meio desses anos tumultuados, onde vivia-se á espera de um golpe (seja da direita como da esquerda), os setes meses de governo de Jânio Quadros foram uma experiência ambígua. E não poderiam acabar de outro jeito senão por meio de uma nebulosa carta de renúncia.

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