sábado, 4 de agosto de 2012

Afoturismos



Um, dois, testando! Um, dois, testando! Futuro para passado, futuro para passado, aqui quem fala é Tirésios. Trago boas novas e algumas nem tão boas do século XXV, por favor se preparem.

Como vocês podem deduzir, o mundo não acabou em 2012. Ele acabou em 2112. Mas foi reinaugurado quatro anos depois.

Ah, preciso que vocês compreendam uma coisa: a maioria das coisas que eu disser aqui vocês não compreenderão.

Fiz uma pesquisa em seus documentos históricos e descobri que em se tratando de pensar o futuro vocês são bipolares: ou enxergam futuros perfeitos e animadores ou futuros horrendos e pós-apocalípticos.

Devo dizer que na verdade o futuro não é nem tão bonito nem tão feio assim. Ele é, utilizando seu velho dialeto, "meia-boca".

Na minha cidade, por exemplo, o teletransporte público é um lixo. Outro dia fui materializado sem minha orelha. Por sorte eu tinha uma sobressalente no bolso.

Vocês vão gostar de saber disso: não existem mais guerras. Não com humanos pelo menos. Usamos andróides para resolver os conflitos armados e computadores para selarem os acordos de paz.

Também existem as guerras virtuais, mas elas estão mais raras agora desde que a União Intervirtual de Placas Mães assinou um pacto de não-agressão recíproca. Dá pra entender essas máquinas?

As eleições também mudaram: agora são os computadores que elegem os melhores políticos. Eles analisam a ficha de cada homem á procura de qualidades que façam deles bons líderes. Mas desconfio que haja nepotismo aí, desde que uma vez elegeram uma CPU.

Li que vocês debatiam muito sobre sexualidade. Hoje não há o que discutir: todos são pansexuais. Mas confesso que vez ou outra prefiro os seres humanos.

Engraçado como o tempo é irônico: antes se discutia se era possível existir vida fora da Terra, hoje se discute se é possível existir vida dentro dela.

Não que ela esteja totalmente inabitável: uns 25% ainda se salva. Além disso, o visual da Terra é tão... terreno.

Você deve se perguntar onde vivemos agora. Bem, vivemos nas estrelas. Bem, a maioria ainda não tem recurso, ainda vive em colônias em planetas, mas todo mundo tem o sonho de comprar sua estrela própria.

Os resorts lunares são a quintaessência da diversão. Lá você pode jogar á vontade nos cassinos, praticar golfe nas crateras e participar de safáris nas depressões escuras. O melhor de todos é o Moon D'Carlo, "o satélite que nunca dorme".

Ainda apreciamos boa música, mas desconfio que vocês discordariam disso. Seus ouvidos ainda não estão preparados para a melodia sintética dos minerais (sintéticos). Uma vez chorei num concerto de quartzo.

Em se tratando de nutrição, somos ecléticos. Desde verduras sintéticas até carne humana. Creio que isso assustará muitos de vocês, mas não se preocupem: todos são bem tratados nas fazendas humanas.

Não há mais tanta miséria. A maioria dos indigentes pode gozar de uma ótima moradia e deliciosa comida nas fazendas humanas. Mais uma vez reportando ás suas expressões, "matamos dois coelhos com uma cajadada só".

Os indigentes que optarem por não participar das fazendas, por sua vez, podem continuar vivendo de esmolas por aí. Pedindo um pixel em cada canto.

Trabalhamos duro. Diferente do tempo de vocês, hoje uma pessoa com no mínimo quatro trabalhos é quase considerada uma inválida.

A empresa que não se atém ás normas de segurança pode se dar muito mau. Foi por causa da negligência de uma delas que a grande epidemia de 2225 aconteceu, acabando com a memória rígida de quase um terço da população.

O cinema ainda existe, mas você não precisa ver os filmes. Basta ingerir uma pílula 3D e seu corpo experimentará todas as reações químicas dos personagens, além de visualizar o enredo nas suas retinas. O problema é que um filme ruim pode provocar um desarranjo intestinal.

Amar, ah amar! O amor não mudou nada. Continuamos nos apaixonando intensamente. E, por sua vez, continuamos cometendo loucuras amorosas, como se apaixonar por alguém geneticamente imperfeito por exemplo.

Eu mesmo já sofri isso. Uma vez me apaixonei por uma garota com um cromossomo a menos. Ainda bem que usei um esterilizador sexual, senão hoje poderia ser pai de um incidente genético. Mesmo assim ainda tem gente que diz que tem um clone meu...

Eu fiquei triste com uma notícia que recebi. Um amigo meu foi desclassificado no vestibular. Estou pensando que flores sintéticas depositarei no seu cubículo no velório amanhã.

Enfim, amigos do passado, vou ter de sair agora porque amanhã terei um ciclo galáctico cheio. Até outra oportunidade! Namastê!

(Manaus, 22-02-2012)

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