domingo, 19 de fevereiro de 2012

Uma raridade!


Garimpando coisas na internet, achei essa preciosidade: um trecho do programa Ensaios da TV Cultura com o ator e compositor Mário Lago (1911-2002). No vídeo em questão ele canta a sua marchinha imortal Aurora e conta como ela foi composta. Mas o que mais me chamou a atenção são os causos e apelidos dos colegas do Café Nice que Mário conta com a maior naturalidade.
Pra quem não sabe quem é Mário Lago: ele era filho de um maestro com uma ragazza, filha de um músico anarquista, por isso sempre teve o que o povo chama de "ouvido musical". Era formado em Direito, mas o que gostava mesmo era de compor músicas com seus colegas de boemia. De compor e de atuar. Começou na Rádio Nacional, depois migrou pra TV Tupi e para TV Globo. Fez inúmeras novelas: Selva de Pedra, Barriga de Aluguel, o Casarão, etc. O papel que desempenhou em Hilda Furacão, do qual eu mais em lembro, era a sua cara: um bon vivant humilde e sereno.
Lago era sempre escalado para fazer o sábio velhinho ou o ricaço de terceira idade, sempre personagens sérios. Mário era sério sim, ainda mais quando a questão era política. Comunista de carteirinha, inclusive casado coma filha de Henrique Cordeiro, um dos cabeças do Partidão. Chegou a visitar a URSS em 1957, mas se decepcionou com a política cultural soviética. Mesmo assim continuou militando. Por isso foi preso em várias oportunidades: na década de 30 com Vargas, nos anos 40 com Dutra e em 64, por motivos óbvios.
Lago fazendo o placar de algum jogo do Fluzão no tempo do Rivelino.
A coisa também ficava séria se alguém mexesse com seu time do coração, o Fluminense. Em se tratando de futebol era menos espirituoso que Nelson Rodrigues. Quando o tricolor caiu pela primeira vez no rebaixamento Mário quase teve um ataque do coração e desde então nunca perdoou os jogadores e a diretoria envolvida nessa tragédia das tragédias.
Mas engana-se quem acha que ele era um homem sisudo. O próprio vídeo comprova o contrário. O senso de humor de Mário era afiado. Em uma entrevista lá pelos anos 90 confessou que trocava telefonemas com Paulo Gracindo constantemente. Solidários pela idade avançada que compartilhavam, um ligava para outro para saber se ainda estavam vivo, mas sempre inventavam na hora uma desculpa esfarrapada. Isso sem falar dos apelidos que ajudou a carimbar nos colegas de boemia. Corcunda de Notre-Nice para Orestes Barbosa ou Suvaco para Orlando Silva são apenas alguns exemplos que o vídeo nos apresenta.
Para quem não conhece o Café Nice: Avenida Rio Branco, 174. Esse era um dos pontos de encontro da malandragem carioca de 1928 até 1956 quando foi fechado. O seu espaço era dividido em dois ambientes: um mais classudo para os lanches e outro mais apertadinho para um café e um pão com manteiga, em outras palavras, um lanche rápido. Era nesse último em que a maioria dos cantores de rádio e compositores frequentavam. Teve gente que o apelidou de "maior mercado de música popular do mundo" por essa razão. Ali se encontravam compositores que precisavam de dinheiro e cantores do rádio interessados em encomendar uma marchinha ou uma polca.
Café Nice abrindo as portas.
Antes de ir: duas informações. A primeira é que a música que Mário fala que foi o seu grande desgosto nos minutos finais do vídeo é Menina, eu sei de uma coisa. Aliás, sua composição de estréia em 1936. A segunda é que Mário foi biografado pela historiadora Mônica Pimenta Velloso em Mário Lago: Boemia e Política (livro que cobiço já há algum tempo) e é homenageado com um site próprio para comemorar seu centenário em 2011: Mário Lago 100 anos - Homem do Século XX. Nesse site você poderá ter acesso a sua autobiografia inacabada.
Para concluir, Mário Lago era  um artista multimídia: roteirista, compositor, ator, produtor, etc. E era também um híbrido, no dizer de Mônica Velloso: nele a cultura popular e a cultura erudita se encontravam sem perderem a linha.
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Obs: Sobre o papo da Amélia eu falarei com mais detalhes em outra oportunidade.

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