domingo, 12 de fevereiro de 2012

O Rio e a Vida: Quem Comanda Quem?

O rio comanda a vida. Esse era o título e a mensagem principal do livro do acreano, mas radicado paraense Leandro Tocantins (1928-2004). Escrito em 1952, quando este tinha ainda 21 anos e vivia ainda no Rio de Janeiro, em vias de concluir sua Faculdade de Direito, esse livro conseguiu conquistar uma legião de fãs, dentre eles o historiador amazonense Arthur Cézar Ferreira Reis. Reis se espantou com o estilo e o pensamento do jovem Tocantins e chegou a convidá-lo para ajudá-lo na Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) - futuramente transformada em SUDAM - e como representante do governo do Estado do Amazonas.
Mas o que esse livro possui de especial? Tocantins o inicia lembrando como ele foi descoberto. Volta ás crônicas de Vicente Pinzón, Diego de Lepe e de Francisco Orellana, questionando alguns pontos e utilizando outros como força literária. Critica o mito do "País das Canelas" e das amazonas, com base em fontes científicas e históricas.
Leandro Tocantins
Nos conta um pouco da história do Pará, Acre e Amazonas, três estados nos quais o autor passou boa parte de sua vida. Explora alguns aspectos da vida dos ribeirinhos, como sua religiosidades, seu folclore, suas atividades (seja como seringueiro, vaqueiro ou pescador).
O interessante é que Tocantins aborda a vida amazônica utilizando a sua experiência e a ciência como motores de suas considerações. Seu estilo literário consegue estilizar muitas passagens que pareceriam sisudez pura, o que lhe valeu futuramente comparações com Euclides da Cunha, que unia em suas obras ciência e literatura.

A tese de Tocantins fica clara logo pelo título. Em todos esses séculos de história o que tem definido a região não é o homem, mas o rio. Claro, que o homem tem tentado se impor na Amazônia, mas ele não conseguiria sem a sua rica hidrografia. Não por acaso a terra firme, mata adentro, continuava quase não ocupada, enquanto nas várzeas se concentram a maioria da população. A própria Belém, ou mesmo Manaus, foram construídas á margem do rio. Elas cresceram com a navegação e a exportação dos produtos locais, tudo graças ao rio.
Tocantins, no entanto, reconhece em raros momentos que o homem tem conseguido domar um pouco o rio. Mesmo que não seja no sentido que ele gostaria.

O escritor paraense tornou-se famoso por defender uma adaptação do homem aos trópicos, seja no vestuário ou na habitação. Em sua visão, o homem estava agindo errado esse tempo todo na Amazônia, pois estava tentando transplantar a cultura européia para uma região totalmente diferente, ao invés de criar uma civilização nova, fruto da união entre a cultura indígena com a cultura ocidental. Gilberto Freyre tinha chamado o estudo dessa civilização em potencial de luso-tropicologia. Não é de se admirar que Tocantins e Freyre tenham se correspondido por tantos anos e desenvolvido vários congresssos de "amazonotropia".

O que teria acontecido com os planos desenvolvimentistas implantados durante a ditadura militar, como a Zona Franca de Manaus, não era a construção de uma nova sociedade adaptada aos trópicos. Ainda cometeríamos o erro de tentar transformar as capitais amazônicas em cidades cosmopolitas, mas um cosmopolitismo que exclui principalmente a cultura local. Tocantins não critica abertamente esse modelo, uma vez que também defendia o desenvolvimentismo. Ele demonstra essa insatisfação com sua preocupação com o futuro estado da cultura cabocla.
No prefácio á nona edição, o escritor louva o estado progressista da região e lembra a sugestão que o então presidente Getúlio Vargas lhe fez após folhear seu livro em 1952: escrever uma continuação chamada A vida comanda o rio. Ele acredita que o rio hoje não é mais o determinante na vida amazônica, o homem conseguiu domá-lo, seja através de outros meios de transporte ou de outras atividades econômicas. A ambiguidade está em reconhecer esse fato como preocupante ou louvável. Louvável por permitir a criação de uma sociedade moderna e industrial ou preocupante por menosprezar a cultura cabocla, que tanto respeito tinha pelo rio, sua ligação com o resto do mundo e fonte de seu sustento.

(Publicado no Recanto das Letras, 10 de Agosto de 2011).

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