terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Homens e muros (parte III)

Foto: Raphael Alves, A Crítica.

Em 1954, debaixo de um mulateiro na Praça da Polícia nascia um movimento literário que  prometia balançar a cidade de Manaus. Em pouco tempo o pequeno grupo de escritores, pintores e jornalistas ali reunidos teriam conquistado seu espaço na imprensa e na cultura amazonense com contribuições no campo da literatura, da pintura, escultura e do pensamento social. Era o Clube da Madrugada.
Bem, estávamos de arte urbana, grafitti e pichações. Qual a ligação entre o Clube da Madrugada e a arte urbana. Simples. A ligação se chama Poesia de Muro. Foi um das experimentações dos madrugeiros, tendo como seu maior entusiasta o poeta e jornalista Jorge Tufic. O grupo de artistas e pensadores, como falamos, estava interessado em criar uma linguagem nova, amazônica, mas ao mesmo tempo se alimentava de todos os movimentos artísticos do momento. Um deles era o concretismo de Décio Pignatari e dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos que pregava o uso visual do poema e a manipulação lúdica da palavra.
Pós-Tudo, Augusto de Campos, 1984.
Influenciados pelo concretismo alguns poetas amazonenses decidiram fazer uma arte que alcançasse mais as pessoas. Era o ano de 1965 e Aluísio Sampaio, segundo Tufic, foi quem deu a ideia. Tiraram seus poemas das páginas dos jornais e colocaram nos muros. Falando assim não parece tão ousado a empreitada dos madrugeiros: simplesmente mudaram o veículo de suas obras. Tufic, dentre outros, perceberam que não era bem assim: o muro é uma plataforma diferente do papel e por isso demanda técnicas e conteúdo diferentes.
Em ensaio sobre as diretrizes da Poesia de Muro, o poeta nascido no Acre, mas naturalizado amazonense nos aponta algumas características básicas dessa vertente: o anonimato, a construção visual do poema e o engajamento estético e político. Ora, são caracteristicas que encontramos na moderna arte urbana também. O anonimato hoje, com a valorização do grafitti e das intervenções artísticas, não é tão forte como era no século passado, mas o engajamento estético e político ainda se faz muito presente.
Jorge Tufic. Foto: Mauri Marques.
"A poesia de muro se funda numa outra 'realidade' para não dizermos num outro estado de espírito do mundo contemporâneo. Funda-se na desmitificação do fenômeno cultural", nos afirma Tufic, lembrando que o poeta é "um homem que tem fome como qualquer outro homem". Por isso o poeta de muro se vale do anonimato. Uma vez no muro o verso é livre, é público, é de todos. É apenas um verso que pode ter sido escrito por qualquer um.
O poeta enxerga nessa tática uma espécie de resposta ao mundo da publicidade que se apropria dos espaços da cidade para propagar consumismo. Ora, porque não divulgar poesia então? Ou política? Como tudo que produziram, os membros do Clube da Madrugada dedicados á poesia de muro também se dedicaram á explorar em suas criações temas regionais. Infelizmente, a Poesia do Muro não resistiu á modernização da cidade após a Zona Franca e os versos foram engolidos por novas mãos de tinta. Como mostramos na segunda parte desse nosso artigo, existem hoje mensagens e estilos interessantes de arte urbana pelas ruas de Manaus, principalmente em se tratando de grafitti, mas aposto que estes jovens artistas nem desconfiam que a capital baré foi pioneira no reconhecimento da arte urbana.
Poesias de Paulo Leminski pichadas em muros de Curitiba.

O Movimento Madrugada continuou, mas a Poesia de Muro definhou. A nova cidade nascida com a Zona Franca ajudou um pouco. Uma pena que não podemos ter acesso ao que foi escrito nos muros da Manaus dos anos 50 e 60, mas podemos encontrar felizmente no ensaio de Tufic, com o título Por uma Poética do Muro que pode ser encontrado no seu livro Clube da Madrugada: 30 anos (1984), alguns exemplos. Dentre eles destaco o poema abaixo que fechará nosso artigo.

Sou contra a
paz sem pão

Sou contra a
rima em ão
se ela não brota
do coração

Sou contra a
fala que não
venha do
lodo.

Sou contra a
parte que não
lembre o
todo.

Sou contra o
bafo dos eruditos
(de nada ser-
vem nestes
conflitos).

Sou contra o
poema que
não seja
muro,

Sou contra a
fala que
morre no
escuro.

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