quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Pesquisando o movimento negro no Brasil e no Amazonas

Quem acompanha o blog sabe que no último semestre de 2011 desenvolvemos uma pesquisa sobre o movimento negro no Amazonas do qual resultou um pequeno vídeo chamado "Negros em Movimento: A Luta da Memória contra o Esquecimento".
O que nos sustentou durante a pesquisa de campo foi um conhecimento ainda que pequeno sobre a história do movimento negro no Brasil. Nossa maior fonte de consulta foi o livro organizado por Amílcar Pereira e Verena Alberti, Histórias do Movimento Negro no Brasil. Um livro com os depoimentos das principais lideranças do movimento negro dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Maranhão, dentre outros.

Entre os tópicos abordados estão o que os levou a despertar esse sentimento de negritude, de identidade negra, e como se deu sua entrada na militância política. Alguns pontos despertaram nossa curiosidade e os enumerarei aqui para refletirmos com mais calma:

1) A periodização do movimento negro é muito flexível: a maioria dos depoentes acreditava que o que eles estavam fazendo no final da década de 1970 era um feito inédito, mas anos depois entrariam em contato com uma geração de intelectuais e ativistas negros muito mais antigos que eles que desde os anos 30 vinham organizando movimentos. O livro de Alberti e Pereira adota essa periodização: o movimento negro teria começado na década de 1930 com a criação da Frente Negra Brasileira, continuaria na década de 1940 com a criação do Teatro Experimental do Negro e após algumas desarticulações finalmente se fortaleceria nas décadas de 1970 e 1980, se consolidando nos anos 2000 com o maior espaço que seus militantes e suas propostas tem desfrutado nas instituições oficiais.

Petrônio Domingues em seu artigo Movimento Negro Brasileiro: Alguns Apontamentos Históricos cria uma baliza temporal um pouco mais ampla, abrangendo o início da Repúblico e o começo do novo milênio (1889-2000). Na sua visão a série de agremiações recreativas negras que surgiram em São Paulo e no Rio de Janeiro, só para ficar nos exemplos mais conhecidos como o Clube 13 de Maio dos Homens Pretos ou o Centro Cívico Zumbi dos Palmares, após a Abolição também podem ser entendidos como movimentos sociais negros, pois ao lado de atividades de lazer também reivindicavam medidas contra a discriminação e discutiam de forma lúdica a questão da identidade negra.

2) A dicotomia entre cultura e política: muitos militantes encaravam a relação destas duas categorias como opostas e não complementares, ou seja, militar politicamente era visto como a única solução possível enquanto a movimentação cultural, segundo sua opinião, não trazia nenhuma conquista substancial na luta contra o preconceito. E o mesmo acontecia com os militantes que se espraiavam para as atividades culturais.
Essa dicotomia também chegou na historiografia. A interpretação de Petrônio Domingues, por exemplo, enxerga na manifestação cultural uma forma de ação política também. O diferencial é que a historiografia atual, assim como o movimento negro hoje como um todo, não vê mais uma oposição entre estas duas instâncias, mas uma complementaridade.
Hédio Silva Jr.

3) Hédio Silva Júnior, um importante militante do movimento negro paulista, em depoimento no livro de Alberti e Pereira diz que o movimento negro no Brasil apesar de tantas medidas ainda falta conquistar uma coisa: a unidade nacional. O que lhe parece até uma vergonha se comparado com a iniciativa dos líderes dos anos 30 que com muito mais dificuldades que a atual geração enfrenta conseguiram criar um movimento nacional, com diretórios na maioria dos estados do país: a Frente Negra Brasileira.
Essa falta de unidade é um ponto muito interessante. Podemos até questionar se a FNB foi realmente um movimento nacional devido a centralidade que ocupava a capital paulista em suas atividades políticas e aos poucos estados no Norte e Nordeste que possuíam diretórios seus. No final dos anos 70, com a fundação do Movimento do Negro Unificado temos novamente a proposta de um movimento de grandes proporções, mas as diferentes linhas de pensamento dos líderes regionais é um grande obstáculo. Num primeiro momento ele é superado devido ao inimigo em comum (o regime militar), mas com a redemocratização o painel muda e as cisões internas produzem uma série de dissidências.

4)A diversidade regional também é um fator muito interessante: nos anos 80, o Nordeste era uma das regiões onde o movimento negro mais tinha força. Os Encontros do Negro do Norte e Nordeste, iniciados em 1988 em Alagoas, foram muito importantes nesse ponto porque permitiram que os líderes regionais se conhecessem, compartilhassem projetos, adotassem novas iniciativas.
O interessante é que o movimento negro no Amazonas encontrou um grande obstáculo: a presença pequena de negros. Esse fator aliado á mentalidade racista que teima que somos uma sociedade sem preconceitos raciais ajuda a explicar porque o movimento negro no Estado se desenvolveu pouco em tanto tempo.
O primeiro encontro foi organizado no alto da Serra da Barriga, em Alagoas, por ocasião do tombamento de Palmares.

5)A colaboração de outros movimentos sociais é um dado importante: na maioria dos depoimentos encontramos indícios de que os movimentos negros nasceram ou receberam grande ajuda do movimento estudantil, do sindicalismo, de partidos de esquerda, dentre outros atores políticos. Milton Barbosa, o Miltão, lembra que o MNU em parte nasceu da união de estudantes universitários e líderes políticos de índole trotkista. O próprio Movimento Alma Negra do ativista amazonense Nestor Nascimento nasceu com a benção do PCB local e tentou ser reerguido por ele no final dos anos 80 com a criação da Fração Afro-Brasileira dentro do partido.
Nestor Nascimento por Vinicius AA.

Outros depoentes preferem frisar que estes movimentos sociais e partidos políticos não se comprometeram realmente com a causa da negritude, mas apenas se usou dela para conseguir apoio na luta contra o regime militar. O argumento é justificado pela resistência encontrada dentro dos partidos de esquerda, por exemplo, em debater a questão racial, em alguns casos. A desculpa dada era que a prioridade era a luta social e não a luta racial. Isso deixa claro que o relacionamento entre entidades negras e movimentos sociais diversos não era totalmente harmoniosa nem completamente conflituosa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário