sábado, 3 de dezembro de 2011

Homens e muros (Parte I)

Os versos de Anibal Beça nos serviram como uma bela introdução para o tema que pretendemos abordar hoje: os muros de Manaus. Melhor, o uso artístico dos muros de Manaus.
Na realidade, faremos aqui uma viagem: do presente ao passado, do passado ao presente. Confrontaremos alguns dizeres inscritos nestas telas em branco ao ar livre. Mas antes precisamos iluminar alguns pontos: primeiro, por que o muro? Por que as pessoas gostam tanto de soltar a imaginação nos muros?
Ora, para registrar algo de seu cotidiano, para passar adiante alguma gracinha ou uma mensagem engajada. São várias as respostas. O lugar escolhido é o muro porque ele é uma das tantas dimensões de nossa vida pública. Nós passamos por eles todos os dias. É inevitável; alguma hora você vai prestar mais atenção nele. É o cantinho perfeito pra quem precisa de visibilidade, afinal, não é a toa que muitos cartazes e outdoors lhe enfeitam.
A botinha preta, marca de Alex Vallauri.
Não falaremos sobre o uso comercial do muro, mas sobre o uso artístico. Mais uma pergunta se impõe: desenhar/escrever em um muro é arte ou poluição visual? Quando a depredação de um espaço público se torna arte? Bem, as fronteiras não estão tão bem demarcadas assim. Há aqueles que acreditam que há um lado artístico nessa prática urbana e que há um lado criminoso também. Criou- se a divisão entre grafitti e pichação. Enquanto a pichação é mais tosca e agressiva, o grafitti é mais elaborado, esteticamente, e consciente de que pode passar uma mensagem poética ou uma denúncia social. Contudo, há aqueles que colocam tudo no mesmo saco.
Essa discussão se iniciou no final dos anos 60. Maio de 1968 foi muito importante nisso porque os muros foram utilizados pelos entusiasmados jovens franceses para denunciarem o conservadorismo em que viviam. "É proibido proibir", "Seja realista: peça o impossível!", esses e outros tantos dizeres estampavam as paredes de Paris, enquanto nas ruas do Rio de Janeiro podia-se ler "Abaixo a Ditadura" ao lado de "Celacantos provocam maremotos".
Você deve estar procurando no Google agora o que quer dizer celacanto, mas vou logo adiantando para você que esse peixe pré-histórico nada tem a ver com os anos de chumbo da ditadura militar. Era apenas uma brincadeira, como tantas que vemos por aí. O fato é que teve gente que até chegava a fazer toda uma interpretação simbólica da frase: "celacantos" seriam os políticos caquéticos e os "maremotos" as crises econômicas. Se era isso, ninguém sabe. Essa é uma das características dessa prática urbana: ela é anônima, na maioria das vezes, e de livre interpretação.
Mas, enfim, estávamos falando da importância de Maio de 1968 para a valorização do grafitti. A verdade é que o grafitti foi beneficiado também por outro fato histórico: desde o começo do século XX, com as infinitas vanguardas artísticas, passou a se questionar o que se entendia por arte, tornando esse conceito muito mais flexível. Até então só uma escultura que seguisse os padrões estéticos gregos era considerada arte. Na virada do século XIX vários artistas começaram a questionar isso e a propor novas formas de arte.
Os sonhos podiam se transformar em arte, segundo os surrealistas, e obetos industrializados também, de acordo com os papas da arte pop. Então, por que não o grafitti? Os olhares passaram a se voltar para os muros das cidades.

Basquiat
No final dos anos 70, em Nova York, o pintor Basquiat deixou em muitos muros pela cidade alguns desenhos seus. Dizia que preferia expor suas obras nas ruas que nas galerias, embora nunca tenha deixado de pintar telas. Nós também tivemos nosso Basquiat: o desenhista e gráfico italiano, mas radicado brasileiro Alex Vallauri que pintou por toda a cidade de São Paulo, entre 1980 e 1990, uma botinha preta de couro e suas peripécias. Não é a toa que o dia do grafitti é comemorado em São Paulo no dia de seu falecimento: 27 de março (1989).
Enfim, por causa de todos esses fatores, o grafitti hoje é reconhecido como uma arte urbana, democrática e engajada. Se resta alguma dúvida, o prestígio que grafiteiros conhecidos dispõem hoje pode corroborar isso: Os Gêmeos (Gustavo e Otávio Pandolfo) já expuseram seus trabalhos em galerias de San Francisco e Nova York e um documentário sobre o anônimo grafiteiro britânico Banksy até já ganhou o Oscar.

Banksy

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