domingo, 18 de dezembro de 2011

Amazonas, Amazonas

Nelson Motta está lançando um livro esse ano sobre a juventude de Glauber Rocha. Isso me lembrou um fato curioso de sua carreira: a sua passagem pelo Amazonas e pelo Maranhão.
A imagem que temos de Glauber é daquele diretor que vivia a maior parte do tempo em outro mundo, no mundo de suas idéias, criticando o imperialismo econômico e cultural brasileiro (imagem essa que ele mesmo ajudou a criar). O diretor baiano era um dos representantes de um movimento que prometia mudar a cara do Brasil: o Cinema Novo. Inspirado no neo-realismo italiano, muitos realizadores brasileiros decidiram usar uma nova linguagem no cinema para um novo Brasil, um Brasil que deveria superar o subdesenvolvimento. Subdesenvolvimento e desenvolvimento eram, nos anos 50 e 60, palavras-chave, encontradas desde em manchetes de tablóides até em discussões da boemia intelectual dos grandes centros urbanos.

Enfim, Glauber selou seu compromisso com a "arte revolucionária" do Cinema Novo com o lançamento de Deus e o Diabo na Terra do Sol em 1964. Ali encontramos o sertão brasileiro, local tido pela intelectualidade brasileira (desde Euclides da Cunha) como hábitat do verdadeiro povo brasileiro. O filme tem um conteúdo político (afinal Corisco não grita antes de morrer "Mais forte são os poderes do povo!" só porque é bonitinho), mas também artístico: valorização da cultura brasileira. Tanto é que a música, composta por Sérgio Ricardo, lembra muito uma balada, um repente ou mesmo a leitura de um cordel.

Vocês prestaram atenção na data de lançamento? 1964. Mas antes do golpe militar. Aliás, quando o golpe é consolidado as fitas do filme guardadas no laboratório Líder são apreendidas pelo governo. Só depois de muito negociar com o poder elas são liberadas. Segundo o jornalista Elio Gaspari, começa aí o relacionamento tortuoso de Glauber com a ditadura militar. O governo nunca digeriu muito bem o cineasta baiano, por isso era tentava contê-lo dos mais diferentes modos. Ora procurava cooptá-lo, ora expulsá-lo.
Se em 1964 encontramos Glauber combatendo um governo que quer queimar seu filme, como explicar então que apenas um ano depois ele esteja em Manaus preparando um filme oficial? Seria como se Michael Moore fizesse um vídeo de propaganda eleitoral para George Bush. O que aconteceu de 1964 a 1965?
Em 1965, Glauber foi preso juntamente com uma turma de intelectuais e estudantes que estavam protestando em frente á um hotel no Rio de Janeiro onde vinha acontecendo uma Conferência Internacional sobre a Paz. O governo, segundo a sugestão de Juracy Magalhães (então Ministro da Justiça), lhe ofertou uma chance de se redimir: sairia da prisão e todas as acusações sobre ele seriam retiradas se fizesse filmes para o governo. Glauber, que já vinha passando por uma crise financeira no final de 64, aceitou á contragosto.
Glauber em viagem para Parintins.
Firmado o acordo partiu para Manaus, onde faria um filme de propaganda sobre o estado do Amazonas. O governador era o historiador amazonense Arthur Cézar Ferreira Reis, velho conhecido deste blog. O responsável por convidá-lo foi seu secretário de cultura, Luiz Maximino Correia de Miranda, que tinha bons contatos no Rio de Janeiro. Glauber chega na terra baré acompanhado do cinegrafista Fernando Duarte e com um título provisório na cabeça: "A Conquista do Amazonas".
O diretor concede uma entrevista ao jornalista e crítico José Gaspar, representante do jornal A Crítica, mas arruma a maior confusão por não ver a versão final desta antes dela ser publicada. Roda a baiana na redação do jornal, mas é contido e o caso abafado. Um grupo de cineclubistas vai visitá-lo e convida para dar uma palestra no Grupo de Estudos Cinematográficos (GEC), o maior centro de cineclubismo da cidade. Lá ele dá uma palestra sobre o Cinema Novo, relembrando pontos que ele abordou no seu livro Revisão Crítica do Cinema Novo (1963).
As filmagens começam em 1965. Ele parte com Duarte para Parintins, Itacoatiara e Manacapuru. Uma das maiores obras do governo Arthur Reis era o término da estrada Manaus-Itacoatiara, que não podia deixar de aparecer no filme. Eles só filmam imagens da natureza, das casas e das pessoas trabalhando, não chegam a entrevistar ninguém. A exceção foi um velho agricultor numa comunidade chamada de Vinhas. A sua entrevista é a única utilizada no filme e é bruscamente interrompida por Glauber.
Cena de Maranhão 66.

Em 1966 o filme é lançado com o nome de Amazonas, Amazonas, em uma noite de gala no Cine Ypiranga, se não me engano. Glauber não chegou a ver o filme todo, pois saiu na metade dele. Desgosto? Quem sabe. Mas a sua "dívida" com o governo estava longe de ter terminado: foi convidado pelo governo para cobrir a posse do novo governador do Maranhão, o jovem e desconhecido José Sarney. Assim, temos em 1967 o filme Maranhão 66. Um filme que ressalta a forte ligação do político da ARENA com o povo maranhense e prenuncia um governo progressista para a região.
Depois do Maranhão, Glauber deixaria de fazer filmes para o governo. Viajaria para fora do Brasil e voltaria com uma idéia louca na cabeça: filmar a epopéia de um jovem poeta em um país latino-americano, do populismo á ditadura. Em 1968 era lançado Terra em Transe, uma crítica ferina ao golpe de 64 que utilizou muitas imagens de apoio de Maranhão 66 - o jornalista Narciso Lobo se pergunta até que ponto o político populista interpretado por José Lewgoy se fundiu com o Sarney empossado em 1966, literalmente.
Anos depois, Glauber renegou estes dois filmes de sua filmografia. O motivo já sabemos. Mas só por curiosidade, postarei aqui o documentário sobre o Amazonas e prometo fazer uma análise detalhada dele á seguir, no próximo post.


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