quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Homens e muros (Introdução)

O MURO
Aníbal Beça
(1946-2009)

Para Margarete Vernieri

o muro está adormecido
Apenas o verde limo vive.
O muro vegeta sombras
Cinzentas sombras de cinza e carvão.
o muro está quase caindo
como pétala de rosa
quando murcha
quase morta
temerosa.
Mas
o muro ainda vive,
ás vezes um castelo range
com o rachado do muro
(e os musgos cansam por abafar).
o muro está adormecido
Apenas o verde limo vive.
E na sua inércia
Confundiram-se com um cemitério,
um frio cemitério de sombras.
Mas
o muro vive
o muro tem olhos,
suas lágrimas
fecundam trepadeiras
que trepam no tempo
fluindo com a superfície do muro.

O muro cresceu
e germinou no silêncio.

Embora a sombra da memória
persista em criar
elementos que empatam
o crescimento do muro.

Penso
que o muro cansado cansou-se do verde.
Agora
mais que em tempo
o muro precisa de uma cor,
cor viva
que corra como o vermelho do sangue
uma cor com sabor alegre e livre
como a cor da papoula.

Para que o muro não caia
Para que o muro não morra.

Urge que se mudem as cores
porque o muro
fartou-se do verde.

Publicado em O Jornal de 28 de Maio de 1967.

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