quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Sustentabilidade

Existe uma tradição no pensamento social construído na Amazônia que é a de abordar o velho embate entre o homem e a natureza. Tanto que o primeiro grêmio dedicado a estudar o Amazonas colocou a Geografia antes da História, diferente dos demais fundados pelo país - Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA).
Alguns partem logo para o determinismo geográfico explicando o subdesenvolvimento local como próprio do clima, da hidrografia e do relevo. Outros entendem como uma luta realmente entre civilização e irracionalidade (como o historiador Arthur Reis e o político Agnello Bittencourt entendiam), incluindo nessa última modalidade não só a fauna e flora local como também os povos indígenas. Outros entendem que a geografia influenciou sim o processo histórico amazônico, mas que boa parte da culpa do subdesenvolvimento local reside no próprio homem, principalmente nas elites que orientavam sua sociedade (aqui se enquadram os médicos Araújo Lima e Djalma Batista). Recentemente, a natureza começou a sair da discussão e entrou como chave de compreensão de nossa situação um sistema econômico mundial, o capitalismo. O capitalismo que teria moldado a Amazônia da forma como conhecemos (e aqui surgem os nomes da historiografia recente, de orientação neo-marxista, como Edinéia Mascarenhas, por exemplo).

A imagem da Amazônia no mundo é essencialmente a de pulmão do mundo, reiterando a natureza fantástica. Claro que essa imagem foi construída de acordo com a colonização e sobrevive até hoje com outros argumentos. O que é interessante é que quando se pensa na Amazônia a primeira coisa que vem á cabeça é a selva e não o homem que vive nela. O ribeirinho parece ter sido anulado por ela.
Quando alguém de fora visita uma das capitais amazônicas como Manaus se surpreende por não encontrar a floresta penetrando na selva de pedra. Ele se decepciona e sua imagem sobre a região se desintegra. Foi o que aconteceu com Euclides da Cunha ainda nos tempos da Belle Epoque.
Recentemente um articulista goiano que visitou a cidade, ou uma parte dela, se perguntava onde estava a cidade amazônica? Afinal, para ele Manaus lembrava qualquer centro urbano brasileiro. Pensava que aqui encontraria uma cidade sustentável, adequada á floresta tropical.
Na verdade, os projetos urbanísticos de Manaus tem sido criados tomando-se como padrão não aspectos regionais, mas extra-locais. Foi assim desde o boom da borracha, quando se almejava construir uma réplica de Paris e não uma cidade original. Hoje, depois da crítica de muitos intelectuais á Belle Epoque manauara, procura-se uma forma de viver adaptada á nossa região. Leandro Tocantins, por exemplo, dedicou boa parte de sua vida á procura de habitações que se adequassem ao nosso clima e á nossa história - inspirando principalmente no exemplo das casas ecológicas construídas pelo arquiteto Oswaldo Brakthe na Serra no Navio e na Vila Amazônia no Amapá.

Vila Serra do Navio
Pensar hoje que o homem dominou a selva simplesmente pela construção de metrópoles como Manaus ou Belém é uma ilusão. A maior parte da Amazônia ainda é um deserto. As rodovias, que não tem a manutenção que precisam, não ajudaram a povoar a região como se pensava. E quando esse povoamento foi praticado o foi feito de maneira desordenada, depredando o ecossistema e resultando em conflitos agrários.
A falta de infra-estrutura no interior aumenta o êxodo rural e assim as cidades incham. A habitação cada vez se torna mais precária. As tentativas de solucionarem esse problema não foram realmente ao ponto da questão - um urbanismo racional e políticas favoráveis ás comunidades ribeirinhas.

Isso sem falar do crescimento do desmatamento que tornará realmente a Amazônia em deserto se não for controlado. O problema do desmatamento sobrevive também por conta da vida precária no interior, afinal quem corta as árvores, á mando das madereiras ou do pecuarista, são moradores da região. Desmatar é dinheiro garantido para muitas pessoas. Enquanto não encontram uma alternativa melhor, persistirão nessa atividade.
Muitos se perguntam porque a ecologia não conquistou ainda boa parte da população nacional e internacional. O fato é que, dentre outros motivos, as pessoas só se atentam para algo que diga respeito diretamente á sua vida. Não há nada mais direto que o seu sustento. Enquanto não se reconhecer que na Amazônia ecologia e economia devem atuar juntas não chegaremos á lugar algum. Djalma Batista considerava o extrativismo uma atividade econômica que surgiu durante a colonização graças ás condições do meio, mas sua existência na atualidade é um grande erro, uma vez que já demonstrou sua fraqueza com a crise da borracha.

Sustentabilidade é uma palavra que se tornou moda hoje. Poucos sabem do que realmente se trata. Sustentabilidade significa garantir sua subsistência e o meio que a fornece. Mas sustentabilidade é mais que isso. É uma posição diante do mundo. Uma posição que não mais enxerga o homem como o predestinado a domar a natureza, que a fauna e a flora só existem para lhe servir. Essa visão, inspirada na religião e no cientificismo, está aí há mais de dois milênios. A religião e a ciência estão longe de serem as vilãs nesse caso, embora tenham sua grama de culpa - na ciência, por exemplo, podemos encontrar a engenharia ambiental, enquanto na religião, temos inúmeras religiões orientais que acreditavam na harmonia entre o homem e a natureza, isso sem falar do franciscanismo e da cultura indígena. Sustentabilidade é entender o mundo como um complexo, um sistema que precisa de harmonia entre seus elementos para continuar existindo. Nessa visão, o homem deixa de ser superior para ser semelhante á natureza, respeitando-a.
Os rumos que a Amazônia tomou nos últimos anos foram importantes para que ela se desenvolvesse, mas existe muito ainda a ser feito. A sustentabilidade se impõe, e já há algum tempo, como uma das alternativas para realmente desenvolvê-la. Mas não só a sustentabilidade. Como falamos aqui uma questão está ligada a outra. Sustentabilidade leva á economia, economia á política, política á cultura, etc. A questão indígena se liga com a questão da reforma agrária que se conecta, por sua vez, com a questão da urbanização e assim em diante.

Foto: Eduardo Luís Silva.
A Amazônia realmente é uma região única por essa influência do meio no homem. Sempre uma influência, nunca um determinismo. Justamente por isso a ecologia é um tema tão importante para a região, uma vez que nas demais essa relação é menos forte. Justamente por isso espera-se que a Amazônia tenha um papel de pioneira na construção/instituição de um novo paradigma: o mundo sustentável. Na realidade, a Amazônia já é pioneira, basta lembrarmos dos povos indígenas que já faziam manejo florestal antes dos portugueses chegarem nessa terra, segundo as pesquisas arqueológicas. Parece que esse pioneirismo foi esquecido, depois de tantos massacres e tanta ganância. Faltou na Amazônia que veio depois de 1500 o respeito com a natureza. E após tantos erros e massacres ainda se pensa que é assim que deve ser.

Um comentário:

  1. Gostei dessa matéria. Ta me ajudando na pesquisa sobre os precoinceitos contra a amazõnia.

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