quinta-feira, 7 de julho de 2011

Tinha que ser Minas

Belo Horizonte na década de 1960.
Esse é o título de um livro do general Carlos Luís Guedes, um dos responsáveis direto pelo Golpe de 1964. Ele, aquartelado em Belo Horizonte, junto com o general Olímpio Mourão Filho, esse em Juiz de Fora, saíram com suas tropas de Minas na madrugada de 31 de março de 1964. No livro em questão ele explica porque coube ao estado de Minas a missão de impedir um golpe anti-nacionalista por parte de Jango Goulart e a esquerda brasileira. Segundo ele, o estado já tinha uma tradição em lutar pelos interesses nacionais que vinha do tempo da Inconfidência Mineira e que o governador Magalhães Pinto, que apoiou toda operação, soube tão bem assegurar.

O objetivo do texto de hoje não é o de falar sobre a ditadura militar, mas entender porque Minas tem tido um papel muito saliente na política nacional no último século. O Golpe de 1964 não foi o único acontecimento histórico que contou com a presença de mineiros na história do Brasil contemporâneo. Basta lembrarmos do que ficou conhecido como República do Café-com-Leite, a alternância de Minas e São Paulo na presidência do Brasil. E o fim desse período, a Revolução de 1930, também contou com a presença de Minas Gerais quando esta apoiou o candidato da Aliança Liberal, Getúlio Vargas, em sua tomada do poder. Outro período onde Minas se destacou foi durante a presidência do mineiro Juscelino Kubistchek, onde muitos integrantes de seu partido (PSD) foram levados ao governo central.
Juscelino Kubistchek de Oliveira
Vejamos os presidentes: mineiros eram Delfim Moreira, Artur Bernardes, Juscelino Kubistchek, Tancredo Neves, Itamar Franco, sem contar os vices. Além disso, a força de muitos partidos residiam em Minas: o Partido Social Democrata, por exemplo, tinha em Belo Horizonte um de seus redutos mais fortes, além disso a União Democrática Nacional, um dos partidos mais atuantes durante o período de 1945-1964, nasceu em Minas na década de 40 com o Manifesto dos Mineiros contra o Estado Novo.
Agora, nos perguntamos: por que tinha que ser Minas? De onde vem toda essa importância?
Minas começou a entrar em decadência econômica com a escassez do ouro ainda no século XVIII. Claro que existiam ainda muitas famílias que tinham lucrado o suficiente com o negócio a ponto de investir em outras atividades. O que parece ter sustentado Minas foi a pecuária e a agricultura, embora a mineração continuassem em alguns pontos (como o Quadrilatéro Ferrífero), mas de outros minérios dessa vez.
Cartão postal de Belo Horizonte em 1920.
Durante o Império, Minas era uma das províncias que mais se incomodava com a forte centralização do poder, ao lado de São Paulo. Os presidentes de província eram escolhidos pelo imperador e geralmente não eram da região, o que incitava uma espécie de nativismo, mas que não chegou a ser tão radical como o caso paulista (onde já se falava em separatismo).
Cid Rebelo Horta em um estudo sobre a elite política mineira descobriu que ela era basicamente composta de mais ou menos umas 30 famílias. Essas famílias tradicionais tinham sim suas diferenças, mas sabiam como superá-las através de acordos políticos ou mesmo alianças familiares (como casamentos ou apadrinhamentos). No entanto, segundo a pesquisa de John Wirth, no começo do século XX, essa elite tem um novo personagem: o profissional liberal. Ele é visceralmente ligado ás famílias interioranas, no entanto constrói sua carreira política (e sua vida) nas cidades, aproveitando-se dos benefícios urbanos. Wirth chega a conclusão inclusive de que esse setor da política mineira era leigo e agnóstico, ao contrário do que se pensava de que o catolicismo era um elemento onipresente no universo mineiro. Segundo ele, a presença do catolicismo na política mineira é mais recente, começaria na década de 1930.

Bico de pena de Luís Jardim sobre Antonio Carlos Andrada, presidente do Estado de Minas que aderiu á Vargas nas eleições de 1930.
Dizia eu em outro post que Minas possuía uma tradição política, a tradição da conciliação. Tradição essa que foi gestada inicialmente em seu estado para depois chegar á política nacional. Pesquisadores como Simon Schwartzman, que procuram entender o Estado como algo com relativa autonomia durante a República Velha (ou seja, desprendido dos interesses das oligarquias regionais), acreditam que essa tradição política seja pautada não na conciliação, mas na cooptação. A política desde o fim do Império, em sua interpretação, tem sido a do clientelismo, a troca de favores, e a do corporativismo, o Estado tenta incorporar todos os setores para evitar conflitos. Minas foi cooptada pelo governo federal, porque ela precisava contornar a decadência e porque ele precisava de votos (apoio). No entanto, existia a esperança de Minas se tornar mais independente. A elite local viu essa oportunidade em 1930, com a tomada do poder por Vargas. Mas a oportunidade não se concretizou: Vargas queria era centralizar o Brasil, mas evitando conflitos. Por isso ele entrou em acordo com certas oligarquias (por isso muitos acreditam que a real força de Vargas estava na população urbana, onde ele empregou medidas mais ousadas). E a oligarquia mineira foi uma delas.

General Goés Monteiro, um dos líderes militares da Revolução de 1930 simpático ao fascismo, Antônio Carlos, apoiou Vargas em 1930 e era defensor da maior independência de Minas.
Alguns políticos não satisfeitos com o golpe ditatorial de Vargas em 1937 se uniram e criaram um manifesto contra o presidente em 1943, criticando sua simpatia para com o nazi-fascismo. Outros aderiram á Vargas para não perder o posto. O caso mais famoso foi Benedito Valadares. Por ocasião da morte do então interventor do estado em 1931, Olegário Maciel, Valadares, que foi dar a notícia á Vargas sobre o ocorrido, acabou sendo eleito o seu substituto e até 1945. Valadares era um personagem obscuro e sua nomeação para interventoria foi tão inesperada que, segundo o folclore, sua mãe teria dito: "Será o Benedito?"(dando origem á expressão popular).
Antônio Carlos Andrada, Getúlio Vargas e Benedito Valadares.
 Valadares sobreviveu tanto tempo no poder porque era leal ao presidente. Aspirava ser candidato á presidência em 1937, mas diante do golpe do Estado Novo, logo aderiu aos planos de Vargas. Foi através dele que muitos outros políticos surgiram e se filiaram ao PSD, chamado por muitos como o Partido dos Interventores, como JK, Israel Pinheiro e etc. Segundo Schwartzman, "este é, em resumo, o segredo do político mineiro que sobrevive á República Velha; não exatamente o representante das oligarquias rurais, não a expressão de interesses economicos maldissimulados, mas o agente do chefe do Estado, agindo de forma aberta, ou por trás da cortina, mas sempre num contexto onde o principal triunfo é o acesso ao centro dominante de poder economico e político, o governo federal."
Valadares e Vargas durante a inauguração da Avenida do Contorno, BH, 1940.
Minas conseguiu com essa estratégia uma ótima oportunidade em 1955 com a vitória de JK, que trouxe, como dissemos, o PSD mineiro para o Palácio do Catete, mas foi uma vitória passageira. Logo depois, todo o ministério tinha sido substituído e seu poder voltou ao que era antes. E com a ditadura? Também não mudou muito a situação. Coube a Minas apenas deflagrar o movimento, pois uma vez consolidado o novo governo, uma nova centralização foi feita, mas não da mesma forma que Vargas tinha feito. Nos primeiros anos ela foi capitaneada pelas próprias elites locais, só a partir do final dos anos 60 que o governo federal assumiu esse compromisso também (durante os anos de chumbo). Mais uma vez a estratégia foi a lealdade ao governo, a conciliação de interesses locais á interesses federais. Seja no MDB como na Arena.
Tinha que ser Minas então, porque a elite política mineira, apesar de ligada á interesses rurais e tradicionais, era extremamente sagaz. Ela soube durante a República Velha adquirir importância ajudando o governo central, ainda que ele fosse descentralizado, e a mesma coisa aconteceu durante a Era Vargas. Conciliação, lealdade, cooptação podem explicar o destaque de tantos políticos mineiros. Esses políticos, contudo, não lutavam por interesses maiores, interesses regionais, mas por seus próprios interesses, pela construção de sua carreira, com algumas raras exceções.

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