terça-feira, 21 de junho de 2011

A lição de Shutruk Nahunte

O filme Clube do Imperador nos oferece algumas reflexões muito boas sobre a prática de educar. A história, dirigida por Michael Hoffman, se baseia no relacionamento entre um professor de História Antiga, John Hundert (interpretado por Kevin Kline) e seus alunos da Escola Saint Benedict para Garotos, principalmente Sedgwick Bell (Emile Hirsch), um garoto-problema.
Hundert é um homem extremamente ético que possui uma concepção clássica (no sentido de relembrar o pensamento dos filósofos gregos) de educação: para ele, o ensino é capaz de mudar o homem. Se o caráter de um homem é o seu destino, como afirma no começo do filme, a educação pode ensinar um homem a ser ético. É o que Hundert tenta fazer com seus alunos. Ele tenta despertar o interesse pelo aprendizado e utiliza os personagens históricos como modelos para as atitudes de seus alunos. Até mesmo o desconhecido Shutruk Nahunte, um general cartaginês que ganhou uma batalha, mas foi esquecido pela história porque ela não alterou em nada o status da guerra, foi uma conquista pessoal. Nahunte é um modelo do que não deve ser seguido: segundo Hundert, uma conquista baseada somente na ambição, sem contribuição, é uma falsa conquista.

Hundert e Bell.
Em 1976, chega á escola um aluno novo, Bell, filho de um eminente político norte-americano e que não leva nada á sério. Hundert o desaprova, mas após conhecer seu pai, se empatiza com o garoto e decide ajudá-lo. Afinal, o menino não tem culpa de ter um pai que não se importa com ele. O que Bell queria era ter o orgulho do pai e a forma dele conquistá-lo podia ser através de boas notas. Hundert o incentiva a entrar para um tradicional campeonato de perguntas sobre História Antiga, o Clube do Imperador, mas como ele não consegue a nota mínima para ser um dos colocados ele manipula os resultados e o inscreve na competição.
Para seu desapontamento, Hundert percebe que Bell estava colando e lhe manda uma pergunta improvável, passando a vitória para o outro finalista. Bell volta a ser o aluno problema que era antes e Hundert fica decepcionado não só com seu pupilo como consigo próprio por ter manipulado os resultados e retirado um aluno capaz da competição.
Passam-se os anos e Hundert espera ser o próximo reitor do colégio, mas perde o cargo para um colega que tinha melhores contatos. Desapontado, deixa a escola, mas é convidado para ser jurado de uma competição no estilo do Clube do Imperador. Uma revanche, mas dessa vez todos são homens feitos. Bell se tornou empresário e é o responsável pela nova competição. Hundert vai com a esperança de que as coisa sejam consertadas dessa vez, no entanto, Bell repete o mesmo ato (colando) e Hundert repete a fórmula que o desclassificou fazendo uma pergunta tão óbvia que não podia estar na cola. Bell não perde a compostura e faz um discurso lançando a sua candidatura política. Assim, Hundert entende finalmente a motivação dessa revanche: uma forma de Bell se auto-promover.
Hundert dessa vez tira satisfações com Bell e este justifica suas ações com base em seu sucesso. Hundert tenta agir certo e está no fundo do poço, enquanto seu aluno corrupto está cada vez mais rico. No entanto, seu filho ouve a conversa e se decepciona com o pai. Parece que a história se repete: um novo abismo entre pai e filho. Hundert então se pergunta até que ponto as conquistas de Bell foram realmente conquistas.
Antes de ir embora, o professor pede desculpas ao antigo aluno que desclassificou para ajudar Bell e recebe uma homenagem de todos seus ex-alunos. A consideração que eles possuem por ele o sensibilizou. Hundert pode perceber que conseguiu atingir o seu objetivo, pois a maioria de seus antigos pupilos eram realmente homens éticos. Bell foi um dos poucos erros.

Hundert entre seus alunos.
Assim ele volta a dar aulas. Pouco lhe importa que a instituição não lhe reconheça, o que importa é que ele está fazendo o certo; está formando homens responsáveis e maduros e estes reconheceram um dia a dívida que tem para com ele. Pouco lhe importa que um aluno não conseguiu aprender isso, pois o que realmente importa é não desistir e continuar tentando atingir esse objetivo com outros alunos.
Hundert possui uma prática pedagógica, como dissemos, clássica, mas que tem muito em comum com a maioria dos filósofos da educação, uma vez que todos concordam que a educação não é só conhecimento, mas também atitudes e habilidades que devem transformar o homem em um ser independente e responsável.
Hundert também algo em comum com nós, atuais e futuros professores: ele não é devidamente reconhecido pelos órgãos oficiais. Nossa profissão possui essa característica muito interessante de ser supervalorizada como instrumento de mudança e desenvolvimento da sociedade e, por outro lado, de não valorizar seu profissional. Ao professor recai as mazelas do sistema educacional: não se enxerga a educação como um processo que merece a atenção de todos. O filme salienta inclusive o papel da família na educação, através do senador que não quer que Hundert molde seu filho, Bell.
O ramo da educação é algo muito difícil. É uma luta diária. Sabemos que o sistema educacional brasileiro foi feito para estimular a alienação (uma vez que ele está subordinado ao Estado e ao capitalismo). Além de possuir esse objetivo, o sistema não é eficiente e está falindo. O resultado é o que vemos na televisão: alunos sem condição de estudar por causa da falta de recursos na sala de aula (inclusive merenda) por conta do desvio de verbas e professores se desdobrando em mil para poder ensinar uma sala de milhares de pessoas.
No entanto, o filme nos passa uma mensagem que está longe de ser conformista: a situação é difícil, mas a realização de ensinar vale a pena. O verdadeiro professor é aquele profissional que sabe disso. O verdadeiro professor é um lutador se pensarmos bem. E a educação nesse país precisa de lutadores, de pessoas comprometidas. Senão nunca conseguiremos formar homens éticos. Senão toda conquista no campo educacional será vazia como a de Shutruk Nahunte.

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