sábado, 14 de maio de 2011

História contra a bárbarie

Walter Benjamin
Walter Benjamin era um intelectual alemão que já tinha participado de movimentos estudantis e reservado para lutar na Primeira Guerra Mundial. Ele mesmo se considerava um pessimista. Talvez a visão das trincheiras ou mesmo as perseguições aos judeus tenham contribuído para isso. Sua reflexão é pautada por essa espécie de pessimismo que encontra, a partir da década de 1930, no fascismo seu ponto alto.
Bombardeio de Dresden (Alemanha) em 1945
Benjamin, como os demais pensadores da Escola de Frankfurt, tenta entender o fascismo e para isso se envolve com a pesquisa histórica. No entanto, sua opinião sobre a história não se torna uma filosofia da história propriamente dita, no sentido dele enumerar leis para a realidade histórica. O pensamento de Benjamin vem na forma de ensaios ou frases fragmentadas (influenciado nesse estilo pelo poeta francês Baudelaire, um dos escritores marginais mais famosos da Europa). Vamos tentar, então, mostrar o ponto principal de sua visão sobre a história.
Para Benjamin, história é ideologia. Não se pode reviver o passado, talvez somente em sonhos (por isso defendia uma espécie de historiografia onírica, baseada na interpretação de sonhos), mas a ciência histórica não pode fazer isso. O passado não volta e o passado é complexo demais para ser reduzido á algumas palavras. A história, portanto, é uma tentativa de entender esse passado, mas uma tentativa parcialmente fracassada. A ideologia ajuda a esconder a verdade, o que realmente aconteceu. O que temos, na realidade, é uma história dos vencedores, onde os vencidos não aparece. É uma ideologia que praticamente está querendo dizer: vocês nunca fizeram algo digno de ser lembrado e não farão.
Reprodução d'O Turco: a porta aberta indica onde ficava o anão corcunda.
Benjamin gosta de falar através de imagens e utiliza para falar de história duas imagens: a do anão corcunda e a do angelus novus de Paul Klee. No século XVIII, um inventor francês apresentou á corte de Viena uma máquina que jogava xadrez. Era um boneco enfeitado como um muçulmano, por isso ficou conhecido como O Turco, fixo á uma mesa de xadrez. Esse protótipo de robô ganhava todas partidas de xadrez (ganhou ate de Napoleão) e o segredo de seu funcionamento continuou até o século XIX quando foi revelado que dentro do boneco existia um anão corcunda hábil em xadrez que operava a máquina. Para o filósofo alemão, a história é como O Turco: por fora, um oponente aristocrático e reluzente, mas na realidade quem o sustenta e opera é um homem deformado e habilidoso. A história dos grandes homens esconde o seu anão corcunda, o povo.

O Angelus Novus de Paul Klee observa as ruínas.
Tomando um quadro de seu amigo Paul Klee como metáfora, Benjamin passa a falar do historiador.O quadro em questão é Angelus Novus, onde vemos retratado um anjo abstratamente. O historiador deve ser como esse anjo: uma entidade fora do plano terreno (do plano histórico) que observa tudo, mas que não é obrigado a concordar com tudo que vê. Se a história para Benjamin é feita de massacres e silêncios, a função do historiador é não compactuar com eles. A função do historiador seria construir uma história dos vencidos.

Judeus sendo revistados por soldados nazistas no Gueto de Varsóvia, década de 1940.

Já está claro que Benjamin toma a história como uma sucessão de massacres e mentiras. Os poucos fatos heróicos são manipulados e desvirtuados de seu significado. Além disso, Benjamin tem uma posição radicalmente diferente dos demais pensadores marxistas: ele rejeita a idéia de progresso, uma vez que enxerga nessa idolatria ao nosso progresso e evolução moral o germe da nova bárbarie, do fascismo. Ora, é pelo próprio ideal de progresso que a sociedade capitalista tem explorado as classes populares. Benjamin, ao contrário de Marx, não acredita que a revolução seja inevitável, fruto do progresso. Pelo contrário, ela seria uma tentativa de impedir esse "progresso". Essa revolução deveria ser guiada pelo sentimento do povo e não por uma vanguarda. A revolução deveria salvar o mundo da bárbarie e tomar cuidado para não se tornar ela mesma bárbarie (aliás, essa sua crítica ao progresso e todo otimismo dele decorrente é um dos pontos que o mais destaca dentro do marxismo, segundo o historiador Michael Löwy).
Mas mesmo assim manifesta pessimismo com relação á essa revolução: talvez ela nunca chegue. Benjamin acreditava que essa onda de irracionalismo era o começo do fim do mundo. Tentando fugir da Alemanha nazista atravessando os Pirineus, Benjamin, com medo de ser preso pela Gestapo, se suicidou em 1940. Sua morte ainda está envolta em mistério, mas para muitos, inclusive amigos, esse fim se encaixava com sua posição radical e sua visão um tanto pessimista do mundo. Já na década de 1920, Benjamin manifestara sua intuição sobre o futuro da Europa: "Pessimismo em toda a linha. Sim, na verdade, e totalmente. Desconfiança quanto ao destino da literatura, desconfiança quanto ao destino da liberdade, desconfiança quanto ao destino do homem europeu, mas sobretudo desconfiança tripla diante de qualquer acomodação: entre as classes, entre os povos, entre os indivíduos".

De qualquer forma, seus pensamentos sobre a história nos ajudam a refletir não só sobre o fazer historiográfico, mas nos convida a repensar o dever ético do historiador: um dos conselhos dado para o historiador é que este não deve julgar os acontecimentos, mas essa pretensa neutralidade não é também é uma forma de compactuar com o silêncio? Se quisermos transformar a história em algo transparente, como uma casa de vidro na expressão de Benjamin, mostrando tanto os lados positivos como negativos do processo histórico, estamos fazendo uma história dos vencidos?

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