sexta-feira, 1 de abril de 2011

Revolução ou golpe?

Os generais Costa e Silva, Lyra Tavares e Ernesto Geisel, tendo á sua frente o marechal Castelo Branco, o primeiro presidente após 1964.
Ontem, 31 de março, a tomada do poder pelos militares no país, que iniciaria um período conhecido como ditadura militar, completou 47 anos.
Interessante que mesmo sendo um acontecimento muito recente, a ditadura militar ainda é um tema pouco discutido e quando o feito é a luz de radicalismos, de ambos os lados. O caso mais emblemático refere-se ao termo usado apra designar o que aconteceu em 1964: golpe ou revolução?

Aos defensores da ação, o nome certo seria o último e, de fato, foi por muito tempo usado ao lado do adjetivo "a redentora". Revolução significa criar uma nova ordem social, assim, sendo a revolução de 1964 teria criado uma nova ordem social, livre do populismo, corrupção e, principalmente, do comunismo, que se dizia ser presente nos anos anteriores. Outro argumento desse lado é de que não foi uma revolução ou um golpe, mas um contragolpe, uma vez que estava claro que o comunismo, seja pelas mãos de Jango Goulart ou de seu cunhado, Leonel Brizola, chegaria ao poder por meios autoritários e não democráticos.

Quanto aos críticos da ação, não há nome melhor para definir o acontecimento do que a palavra golpe. Em 1964, inspirados pelo conservadorismo local e pelo capital estrangeiro, os militares teriam interrompido o processo democrático e as reformas sociais prometidas pelo governo progressista de Jango Goulart.

O fato é que a situação é muito mais complicada do que esses dois pontos de vista pregam: não podemos entender 1964, se não tivermos em mente todo o seu contexto. Desde que Getúlio Vargas deixou o poder, surgiram três forças, que já vinham sendo gestadas durante o Estado Novo, que se tornariam poderosas nos anos sequintes: as Forças Armadas, o trabalhismo, que podia adquirir contornos oficiais através do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) ou menos ortodoxos, e a oposição em torno da União Democrática Nacional (UDN). Além disso, após 1945, o mundo entra na Guerra Fria e no Brasil a paranóia não poderia deixar de ser maior, com a presença de comunistas carismáticos como Luís Carlos Prestes e Marighela.

Getúlio Vargas
Atritos com o trabalhismo, uma força extremamente popular, já eram sentidos 10 anos antes de 1964, quando Getúlio, novamente no poder, se envolvera, ainda que indiretamente, numa polêmica. Seu segurança havia tentado matar seu maior opositor, Carlos Lacerda, mas na ação matara por acidente um major da Aeronáutica. Então, a UDN e as Forças Armadas se unem nos ataques ao governo e a pressão pela saída de Getúlio culminaria no seu suicídio. A revolta popular foi grande, muitos diziam "mataram o velho!".

Marechal Henrique Lott
Um de seus herdeiros políticos, o jovem Juscelino Kubistchek ganha as eleições de 1955, mas alguns setores das Forças Armadas, junto com membros da UDN, não desejam passar o governo para um dos filhos de Getúlio. Um dos homens mais prestigiados do Exército, marechal Henrique Teixeira Lott, decide combater essa conspiração em nome da constitucionalidade. Esse período ficou conhecido como a "Novembrada" e, ao fim, Lott venceu, garantindo a posse de JK.

Juscelino Kubistschek
JK se afastava um pouco de Getúlio, pelo seu caráter mais liberal e menos populista, no entanto, isso não bastava para poupar seu governo de críticas por parte da UDN, principalmente com relação á corrupção (sobre a construção de Brasília). Sua política econômica, ao contrário do governo getulista, unia incentivo á indústria nacional e ao capital estrangeiro, o que ajudou a gerar um desenvolvimento considerável da economia, mas, como sempre, mal distribuído. A UDN, para as eleições de 1960, apostava num jovem político paulista que conseguia ser também popular: Jânio Quadros. A UDN conseguiu eleger seu presidente, mas não um vice (nessa época, existia o voto desvinculado, o que permitia eleger um presidente de um partido e um vice-presidente de outro totalmente diferente). Como vice-presidente, ganhou Jango Goulart, mais próximo de Getúlio que JK.

Jânio Quadros renuncia.

Jânio Quadros estava decidido a fazer uma política independente (seu maior ídolo era Gamal Nasser, presidente do Egito), embora fosse comprometido com uma política moralista. No entanto, suas ações nesse sentido geraram rupturas entre o partido e a insastisfação popular crescia com o surgimento de uma inflação galopante, fruto do Plano de Metas de JK. Pressionado, Jânio decidiu renunciar, num ato que até hoje ninguém sabe se foi exatamente maquiavélico ou imprevisível. Assumiria, portanto, Jango, que estava em viagem diplomática na China.
Logo, manifestações foram feitas impedindo que ele assumisse. Uma junta militar toma o poder. Mas, graças á negociações entre os partidos e os senadores, ela é dissolvida com a promessa de que Jango não teria poderes completos. Assim é instituído no Brasil o parlamentarismo. Tivemos num curto espaço de tempo (1961-1963), uma experiência parlamentarista, onde os primeiro-ministros, geralmente liberais (como Tancredo Neves), definiram os rumos da política, enquanto o presidente tinha apenas poder simbólico.
O PTB e seu aliado, o Partido Social Democrata (PSD) de JK, pediram um plebiscito em 1963, cansados dessa experiência surreal. A população escolheu o presidencialismo e, antes que assumisse, os partidos tomaram cuidado para impedir novo golpe: como a maior ameaça eram as Forças Armadas, os oficiais contrários á Jango foram mandados para cargos de menos importância (esse ficou conhecido como o Dispositivo Militar).

Jango Goulart sendo empossado presidente, ladeado pelo general Amury Kruel e pelo presidente do Senado Ranieri Mazzili.
Os ataques de Carlos Lacerda, agora enquanto governador do Estado da Guanabara, e as respostas atravessadas de Leonel Brizola enchiam as páginas dos jornais. Além disso, havia a carestia de alimentos, a inflação não havia sido superada. Por sua maior simpatia com a esquerda, esperava-se que Jango fizesse as tão esperadas reformas de base, principalmente a reforma agrária. As centrais sindicais faziam greves constantes contra a classe patronal. Como podemos ver, o clima estava muito tenso. A última gota veio na noite de 30 de março de 1964, quando Jango fez um comício na Central do Brasil (RJ), prometendo reformas em breve para as centrais sindicais e para o povo. O presidente foi ovacionado. Para um grupo de militares e membros da UDN, essa era a maior prova de que Jango pretendia dar um "golpe branco", se perpetuar no poder com o apoio do povo.

Jango Goulart no Comício da Central do Brasil, 1964.
Na noite de 31 de março de 1964, tropas sairam de Minas Gerais em direção á capital federal destinadas á depor o presidente. Essas tropas encontraram certa resistência, mas somente quando na capital. Decidido a não começar um banho de sangue, Jango renunciou e saiu do país. Em primeiro de abril, o governo revolucionário era ovacionado por muitos membros da UDN e das Forças Armadas.

Charge de Millôr Fernandes, revista Pif-Paf.
O que procurei mostrar aqui nesse post é que o golpe de 1964 foi o ponto alto de um contexto altamente tenso: primeiro, pela radicalização da política (UDN, PTB, PSD e PCB batalhavam entre si), pela crise econômica (afinal, o Brasil ainda não conseguia ter uma economia vigorosa, como pretendia o nacional-desenvolvimentismo, e a internacionalização da economia operada por JK ajudou a crescer o dragão da inflação) e pela pressão externa (o temor dos EUA de verem nascer uma nova Cuba na América Latina).
Os 18 anos de experiência democrática (1946-1964) não bastaram para consolidar uma cultura realmente democrática no país, seja no que tange á execução de medidas democráticas ou até mesmo ao estímulo do debate.
Sim, me referi ao acontecimento como golpe. Acredito que ainda que quem o tenha feito acreditasse que seria um contragolpe, ele realmente fora um golpe, mas não um golpe propriamente militar: na execução ele foi um ato militar, mas não teria se sustentado se não tivesse o apoio da sociedade civil, seja em forma de apoio explícito, como ocorria com os membros da UDN, ou simples indiferença, como acredito que aconteceu na maioria da população.

De qualquer forma, ainda não esgotamos as reflexões sobre a noite de 31 de março de 1964 e não somos os primeiros a tentar entendê-la: de certa forma, a história no Brasil se consolida tentando compreender como 1964 foi possível, seja direta ou indiretamente - muitos autores procuravam e procuram na história recente, como na República Velha, ou mesmo na mais antiga, chegando na Colônia, as razões que levassem ao Brasil ser um país autoritário.
As visões sobre o fato também não mudaram muito e podemos enxergar isso na forma como foi recebida a notícia dos 47 anos do golpe ontem: enquanto o grupo Terrorismo Nunca Mais o lembrou com uma missa solene, certos manifestantes e professores protestaram em seus blogs contra mais um fato crucial (e maligno) de nossa história perdido no esquecimento. Seja como for, 31 de março de 1964 ainda vai dar muito o que falar.

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