sábado, 2 de abril de 2011

Fé cega, faca amolada

Terry Jones
Juro a vocês que quando postei aquela citação de Edward Said aqui anteriormente não sabia do ato do pastor Terry Jones de queimar o Alcorão. Foi uma coincidência. Soube do fato hoje, a poucos minutos, quando falaram sobre a tomada da embaixada da ONU no Paquistão.
Terry Jones já estava doido para queimar livros á muito tempo. Ano passado anunciou que queimaria vários exemplares do Alcorão em homenagem aos 10 anos do 11 de Setembro de 2001, mas foi tão pressionado que desistiu.
Esse pastor de uma igreja da Flórida fez um julgamento do livro sagrado dos muçulmanos diante de seus fiéis há uma semana, no dia 21, e diante da sentença de culpado por não ser uma religião de paz o queimou. No Paquistão, as autoridade emitiram uma fatwa (ordem sagrada) que pagaria 20.000 dólares por quem matasse ele. Hoje, milhares protestaram numa cidade ao norte do Afeganistão e atacaram uma embaixada da ONU decapitando 7 estrangeiros lá presentes.

Protestos no Afeganistão.
Jones se manifestou no mesmo dia através de um vídeo dizendo que não se considera responsável pelos atos no Afeganistão. E mais: essa manifestação de violência é mais do que suficiente para os EUA dar uma lição á esse povo.

A impressão que se tem é de que realmente a irracionalidade venceu e quando falo em irracionalidade não me refiro ás religiões em questão, sejam elas cristãs ou islâmicas, mas uma espécie de rancor presente nessas pessoas que tentam justificar sua estupidez com interpretações sagradas.
Em primeiro lugar, o Islã não é uma religião de violência como quer o pastor Jones. Sim, é verdade que ela ajudou na expansão militar árabe pelo Mediterrâneo, assim como o judaísmo também ajudou a unificar as tribos e conquistar Canãa em guerras longuíssimas com povos locais como os filisteus e samaritanos e assim como o cristianismo também foi usado como pretexto para as Cruzadas durante a Idade Média.
Toda religião tem como característica trazer verdades reveladas, no entanto, estas verdades podem ser manipuladas das mais diferentes formas. A proposta de conversão e evangelização, por exemplo, foi utilizada através dos séculos como mecanismo de imperialismo de diversos povos. Ou seja, estas religiões trazem em si códigos de ética e moral, mas que muitas vezes podem ser apropriados para efeitos menos nobres, cabe a nós termos consciência disso.
Em segundo lugar, no assunto em questão a religião foi apropriada pelo puro e simples rancor. O rancor do pastor contra os atentados de 11 de Setembro e o rancor dos afegãos contra a invasão de seu país e agora pela queima do Alcorão. Sete vidas inocentes morreram simplesmente por não terem nascido nesse país ou por se encontrarem na embaixada da ONU, sendo que elas podiam até ser contra a atitude de Jones. São vidas que foram atacadas no calor da fúria.
E o rancor é assim: não aceita a complexidade das coisas. Toma uma pessoa como exemplo de todo um povo. Ora, um Torquemada não deve eclipsar homens como Francisco de Assis ou mesmo Jesus Cristo. Extremismos sempre existiram e é curioso como muitos atribuíem aos muçulmanos a patente, a responsabilidade por terem os criado. O fundamentalismo religioso no Oriente Médio é recente: tornou-se essa força poderosa principalmente a partir da década de 1970, com o fracasso do pan-arabismo na luta contra o imperialismo estrangeiro. E nós já tivemos nossos dias de fundamentalistas (e ainda temos), principalmente no século XVII, com as guerras religiosas entre protestantes e católicos na Europa.
Ao que tudo indica esses movimentos que procuram transformar as religiões, experiências de compreensão e sensibilidade, em ideologias de rancor continuarão a existir, o que quer dizer que devemos sempre andar com cautela e esclarecimento entre os terrenos do mundo espiritual e temporal.

2 comentários:

  1. Quem irá gostar muito do teu texto é meu professor o Dr. Luiz Paulo Rouanet. De fato... vc tá cada vez mais impossível, seus textos estão melhores que muito artigozinho da LeMonde Diplomatique.

    Continua assim, continua assim q um dia eu t alcanço!

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  2. Que isso, Diego! Eu que tenho que te alcançar. Nunca vi textos tão coerentes e gostosos de se ler como os seus.

    Bem, que continuemos assim: nos superando

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