Ilustração de Jean Baptiste-Debret |
Almir Diniz Carvalho Júnior gosta de utilizar esse termo em aspas mesmo, por conta de dois motivos: primeiro, a palavra índio (que já nasce de uma confusão: Colombo assim os nomeou pensando estar em contato com os habitantes da Índia) é muito genérica, ela não consegue dar conta da diversidade entre os povos ameríndios; em segundo lugar, "índios cristãos" é mais um dos termos criados pelos colonizadores para classificar estes povos, tendo como padrão o índice de amizade ou inimizade em relação aos europeus.
Além dos nomes de algumas das tribos, que já se tornavam símbolo de amigos ou inimigos (como os Tamoio ou os Tupinambá), os portugueses costumavam designar os índios de selvagens, gentios ou mesmo de tapuios (povos do interior, sinônimo de ferozes e guerreiros). O termo "índio cristão" significa um índio batizado, um índio integrado, um índio finalmente "civilizado".
O objetivo do autor é analisar esses índios integrados no mundo colonial, mas enxergando como eles próprios se apropriaram dessa identidade nova. Afinal, nenhuma integração era perfeita: eles podiam resignificar os signos do seu mundo e do mundo cristão, criando uma maneira muito pessoal de se posicionar na sociedade.
O historiador vai á procura desses "índios cristãos" e os encontra na figura dos principais. O Principal era um cargo criado na colônia pela Coroa portuguesa, uma forma de chefe indígena responsável pelo seu povo, mas obediente ao Rei. Cargo hereditário e somente confirmado por uma carta patente do Rei garantindo a posse do novo Principal. Sua posse dependia de sua condição: se era civilizado ou não.
A figura do Principal, acredito, é um tanto nova para todos nós que acostumamos com a idéia do menosprezo colonial para com a cultura indígena. É fato que os portugueses, depois do contato inicial, descobriram que poderiam contar com aliados entre os povos nativos na sua tentativa de colonizar essa nova terra, primeiro expulsando seus concorrentes, sejam eles invasores franceses ou ingleses. Os portugueses e luso-brasileiros que expulsaram os franceses do Maranhão, por exemplo, contaram com a ajuda de índios que já tinham uma história de rivalidade com aqueles que eram amigos dos franceses. No Rio de Janeiro, os portugueses não conseguiram expulsar os franceses sem a ajuda dos Tupinambá, inimigos mortais dos Tamoios, aliados dos franceses. Assim não é estranho que a Coroa recompense esses aliados com condecorações, como aconteceu com um dos líderes dos Tupinambá, Araribóia. A maior das honrarias no mundo colonial era ser condecorado com um Hábito da Ordem de Cristo ou de alguma Ordem Militar.
Essa prática instituída pelos portugueses gerou, no Maranhão, uma procura muito grande por parte dos Principais dessas condecorações e assim a Coroa entra num dilema: conferir essas honrarias seria ferir as regras dessas ordens (que são rígidas, não permitem que ninguém de sangue judeu, mouro ou gentio ingresse) e não conferi-las poderia tornar esses importantes aliados ressentidos. O aumento da procura, por sua vez, indica que estes Principais reconheceram o prestígio que podiam conseguir se "integrados" ao mundo colonial, ao invés de serem perseguidos e marginalizados como era feito com seus antigos inimigos que se refugiavam nos sertões.
Estes Principais tinham as mais variadas funções: comandar exércitos de soldados de sua etnia ou simplesmente gerenciar os índios que seriam escravizados pelos colonos locais. Mas eles tinham seus próprios interesses, como conservar a autonomia política por exemplo. Conseguir Hábitos da Ordem de Cristo significava prestígio, os equiparava aos demais colonos. Num primeiro momento, muitos pedidos foram respondidos, criando assim uma "elite indígena", no entanto, a Coroa e até mesmo os jesuítas perceberam que eles estavam sabendo cada vez mais se afirmar no espaço colonial, o que podia fazê-los escapar do controle do Rei e da Companhia de Jesus.
Resumindo, os "índios" foram manipulados pelos portugueses na sua tentativa de tomar o território do Grão-Pará (e do Brasil inteiro de certa forma), mas Almir enxerga estes mesmos "índios" manipulando o sistema de clientelas criado pela Coroa. O cargo dos Principais, exercido quase sempre por "índios cristãos", demonstra muito bem isso. Podemos ver nos casos alencados por Diniz estes Principais tentando conservar sua autonomia, tentando conquistar um espaço na ordem colonial utilizando os recursos apresentados pela lei. Manipulados e manipuladores, esses seriam os "índios cristãos" apresentados pelo historiador.
Estes Principais tinham as mais variadas funções: comandar exércitos de soldados de sua etnia ou simplesmente gerenciar os índios que seriam escravizados pelos colonos locais. Mas eles tinham seus próprios interesses, como conservar a autonomia política por exemplo. Conseguir Hábitos da Ordem de Cristo significava prestígio, os equiparava aos demais colonos. Num primeiro momento, muitos pedidos foram respondidos, criando assim uma "elite indígena", no entanto, a Coroa e até mesmo os jesuítas perceberam que eles estavam sabendo cada vez mais se afirmar no espaço colonial, o que podia fazê-los escapar do controle do Rei e da Companhia de Jesus.
Resumindo, os "índios" foram manipulados pelos portugueses na sua tentativa de tomar o território do Grão-Pará (e do Brasil inteiro de certa forma), mas Almir enxerga estes mesmos "índios" manipulando o sistema de clientelas criado pela Coroa. O cargo dos Principais, exercido quase sempre por "índios cristãos", demonstra muito bem isso. Podemos ver nos casos alencados por Diniz estes Principais tentando conservar sua autonomia, tentando conquistar um espaço na ordem colonial utilizando os recursos apresentados pela lei. Manipulados e manipuladores, esses seriam os "índios cristãos" apresentados pelo historiador.
O historiador Almir Diniz Carvalho Júnior. |
Referências: CARVALHO JÚNIOR, Almir Diniz. Líderes Indígenas no Mundo Cristão Colonial. Canoa do Tempo: Revista da Pós-graduação em História da UFAM. n. 1, vol. 1. jan/dez. Manaus: EDUA, 2007.
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