quarta-feira, 23 de março de 2011

O crime do Visconde II

Taubaté em 1900. Fonte: CDPH-UNITAU.
Hoje concluiremos a saga judicial que movimentou a cidade de Taubaté nos idos de 1903. No entanto, saímos do terreno da crônica polícial para a crônica política. Precisamos explicar que o crime do Visconde clareou muito bem o jogo político local. Após os primeiros dias do processo, a trama mergulho na maquinaria política. Farpas eram trocadas nos jornais e nas ruas. Mas quem eram os combatentes?

Como vimos, do lado do Visconde se avolumou a facção conservadora local, sejam monarquistas, católicos, fazendeiros tradicionais ou tudo isso junto. Essa facção dominava a Câmara quando foi proclamada a República e transformada em Intendência. Os primeiros anos da República foram instáveis, anárquicos, porque se procurava um modelo de república. Essa instabilidade permitiu a criação de modelos locais como o personalismo do coronel João Affonso Vieira, primeiro intendente, e a política mais liberal do coronel José Benedito Marcondes de Mattos.
O Diretório do Partido Republicano Paulista foi fundado pelo senador Joaquim Lopes Chaves e entregue ao seu enteado, o coronel Marcondes Mattos, que permitiu que grupos sociais então novos participassem da política como os industriais, na figura do então jovem Félix Guisard. Essa facção mais liberal comandou o poder municipal até 1907, quando a facção conservadora assume o poder liderada pelos irmãos Pedro e César de Oliveira Costa.
Aí estão os combatentes: a oposição (conservadora) e o Diretório do PRP local (liberal). Pode parecer muito simplista, mas era isso.

Quanto ao processo iniciado por Kreye, como dissemos, veio em seu socorro Eugênio Guisard com a ajuda de seus amigos do Centro dos Operários Livres num primeiro momento e, posteriormente, de seu irmão Félix. O Visconde já visitara Kreye e encontrando a sua esposa tentou fazê-la convencer o marido a desistir do processo. Diante da recusa, conseguiu que o demitissem de seu emprego na Estação. Primeiro, seus advogados tentam  reduzir a acusação para agressão leve, uma vez que Kreye não foi ferido mortalmente. Depois, para prolongar ao máximo possível, o acusado não comparecia nas convocações feitas pelo júri e quando o fazia era por escrito.
Nos bastidores, nosso vigário geral e ex-vereador recorreu ao chefe de polícia de São Paulo. Sabendo que Kreye fora acusado de algum crime antes de chegar na cidade, Nascimento Castro pediu que ele vasculhasse os arquivos da polícia - a ligação entre o chefe de polícia na capital e o vigário local era o senador, padre e irmão de Nascimento Castro, José Valois de Castro. O chefe de polícia encontrou: caso de ofensa verbal e tentativa de homicídio. Kreye foi preso na Estação Ferroviária e mandado para São Paulo. Félix Guisard, finalmente, declara apoio ao operário e consegue fazer com que seja solto da prisão na capital paulista.

Estação Ferroviária Central do Brasil em Taubaté. Fonte: CDPH-UNITAU.
As acusações prosseguem na imprensa: Augusto César Monteiro declara que irá fechar o Centro dos Operários Livres, principal fiador da defesa do operário ancião, e Eugênio Guisarde responde desmascarando a conspiração feita para prender Kreye na capital e declarar o centro como anarquista para poder fechá-lo por meio de um telegrama de Nascimento Castro á seu irmão. Euzébio da Câmara Leal, na última sessão do júri, declara que Félix Guisard é um homem desumano que explora ao máximo os seus operários e que ajuda o sindicato anarquista de seu irmão.

Félix Guisard.
No final das contas, ninguém venceu. Desgastado pelo processo, Kreye concorda com a proposta de seu advogado de fazer um acordo, declarando o Visconde inocente e acabando com toda essa confusão, que já vinha custando muito caro ao bolso do velho alemão desempregado. Benjamin Motta, em seu discurso final, culpa a sociedade desigual e autoritária por toda essa farsa.

O significado desse caso, politicamente falando, é grande: ele demonstra o poder que desfrutava os setores conservadores, mas também mostra que a política mudou, não está mais tão pautada assim no autoritarismo e personalismo (afinal de contas, se fosse no tempo do Império, quando os setores conservadores estavam em alta, o caso seria facilmente abafado, sem nunca chegar aos tribunais).

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