terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Lobato, Lobatos


Outro dia falávamos de Monteiro Lobato. Acho Lobato um dos escritores nacionais mais interessantes. Não é só pelo fato de escrever bem, mas pela sua ousadia. Lobato era um rebelde, um rebelde em partes.

Nascido em um contexto patriarcal e escravocrata, como dissemos, ele teve uma infância dividida entre leituras e brincadeiras pela chacará de seu avô, João Francisco Monteiro, o poderoso Visconde de Tremembé. Quando a República é proclamada, Lobato está ingressando no Colégio Kennedy, de propriedade de pastores norte-americanos na cidade, contudo logo é transferido para o Colégio Paulista (o Colégio Kennedy, por seu ideal protestante e liberal, é perseguido, principalmente pelo nosso velho e conhecido vigário Nascimento Castro, e se muda para São Paulo, onde veio a se tornar o Mackenzie).

Graças á um pistolão feito por seu avô (ele mesmo admite), consegue uma vaga na tradicional Faculdade de Direito do Largo de Sâo Francisco, na capital paulista. São Paulo ainda não era uma grande cidade, mas o dinheiro advindo do café, das ferrovias e o universo estudantil fazia dela, sem dúvida, uma cidade muito maior e cosmopolita que a velha Taubaté. Na faculdade, ele se envolve com a imprensa, com idéias anticlericais, as leituras de Nietszche que fez na juventude tornam-se mais encorpadas.

No entanto, ele precisava de um trabalho depois de formado e seu avô novamente consegue abrir portas com seu prestígio: Lobato vai ser promotor em Areias. A curta passagem pela promotoria de Areias foi um dos momentos mais duros da vida do escritor taubateano que havia se acostumado com aquele ambiente cosmopolita da capital paulista. Experiência pior viveria quando, logo depois, seu avô lhe dera a posse da fazenda de seu falecido pai em Buquira, na Serra da Mantiqueira. Lobato estava ansioso por tentar utilizar nessa terra todas as modernas técnicas agrícolas que ouvira falar nos jornais, essa fazenda seria o seu laboratório. No entanto, ele esbarrou na má vontade dos seu trabalhadores, capatazes e camaradas. Diante de tal fracasso, Lobato escreve um artigo para o Estado de São Paulo chamado A Velha Praga no qual ele identifica no caipira o motivo do Brasil ainda ser um país pobre e miserável. O caipiria seria um parasita da terra, dela apenas quer se alimentar, não está disposto á mudanças, ele trava o progresso. O artigo tornaria Lobato famoso, temos que lembrar que nessa época, começo do século XX, ainda era dominante o ideal romântico sobre o índio e nosso país, e Lobato desconstrói todo esse mito com base em sua experiência.

Essa visão romântica é coisa de quem não conhece realmente a situação do campo, dizia. É uma invenção de uma elite que vive olhando para a Europa, que se prende á futilidades, que quer aparentar ser culta e civilizada com seus bacharéis. Nesse momento podemos perceber como Lobato é pontual e como não dispensa ataques á ninguém, muito embora ele esteja também contaminado de um pouco desse "modismo" de nossas elites, principalmente no preconceito para o trabalhador nacional e a valorização do homem caucaseano, como falamos no post anterior. Além disso, localmente ele ainda era afiliado ao partido conservador de seu avô, ajudando-o inclusive no caso do crime do Visconde como advogado.

Ora, sua polêmica foi utilizada pela mesma elite que criticava como argumento para o projeto de embranquecimento da população local. O ponto máximo de sua consagração é quando o então candidato á presidência, o jurista baiano Ruy Barbosa adota a imagem do Jeca Tatu em sua propaganda. Anos depois, com base em estudos realizados por médicos sanitaristas em meio ao sertão, Lobato voltaria atrás, ele identificaria qual a verdadeira praga: as péssimas condições de vida. O caipira era assolado por doenças como o amarelão que lhe impediam de ser um trabalhador nato. Esse seria o problema vital, nome, aliás, de um de seus livros. Envolve-se então na campanha do sanitarismo, mudando então o Jeca tatu de preguiçoso incurável á homem rico e forte se tratado.

Lobato criticava a elite nacional por se apegar demais á Europa e uma de suas tentativas de emancipar o Brasil, por assim dizer, desse laço seria a construção de uma editora nacional (antes todos os livros brasileiros tinham que ser editados e publicados em Portugal), esforço para o qual contou com a ajuda de muitos amigos escritores e jornalista do Estado de S.Paulo, onde desde seu pioneiro artigo passou a trabalhar. Se não morria de amores pela Europa, admirava pelo menos o Estados Unidos, por ter ultrapassado a condição de colônia e se tornado uma república democrática e progressista (embora ele também tenha duras críticas á democracia, que podem ser conferidas n'O Presidente Negro). Admirava especialmente Henry Ford, o criador do carro Ford Modelo T que revolucionou o mercado por produzir carros em escala industrial, mas não por esse fato e sim por sua iniciativa de fomentar o trabalho (afinal, Ford queria que seus próprios trabalhadores comprasse seu carro, que ele fosse acessível á todos).Tornou-se adido da embaixada brasileira nos EUA durante o governo Washington Luís e essa experiência foi uma das que mais lhe marcaram.

Em busca de emancipar o Brasil economicamente, enquanto o fazia culturalmente com sua editora Companhia Nacional, Lobato se envolveu na campanha pelo petróleo. Estávamos nos primeiros anos da Era Vargas e Lobato já era visto como um elemento ligado ainda á República Velha. Além de mal visto pelo novo governo havia também a proposta de desenvolver a indústria de base no país e o medo do comunismo, por isso quando Lobato começa a atacar o governo por não incentivar á pesquisa do solo e por se aliar gradativamente aos governos fascistas europeus começa a ser perseguido. A partir da instituição do Estado Novo em 1937 ele passa a ser perseguido com mais força, chegando até a ser preso por um certo período. Quando no fim da ditadura, em 1945, é solto e a campanha do Petróleo é Nosso ganha força, mas agora pela voz do general Horta Lima.

Profundamente desiludido com a Segunda Guerra Mundial e o governo que se delineava com o Marechal Dutra, para ele simples instrumento dos militares e empresas estrangeiras, Lobato passa a se aproximar do comunismo, defendendo agora como solução para o desenvolvimento do Brasil a reforma agrária. Agora nasce um novo personagem Zé Brasil, que tem como seu principal inimigo um poderoso coronel. Lobato ensaia até alguns votos de entusiasmo á Luiz Carlos Prestes, mas então entra em profunda depressão quando seu filho falece, retirando-se da vida pública. Vem a falecer em São Paulo em 1948.

Como podemos ver, Lobato é um feixe de contradições: em determinado ângulo apóia a democracia e em outro a despreza, conserva um interesse no progresso acima de tudo, mas escorrega em muitos preconceitos ainda da sociedade escravocrata. No entanto, sua pena era afiada e ninguém escapava dela, nem seus amigos e nem seus inimigos. Se visse algo que não concordasse logo dizia e se visse uma deficiência logo colocava a mão na massa para saná-la. Lobato é um tema que não se esgota, pois ele próprio era um homem multifacetado, haviam muitos Lobatos e até hoje ainda há muito o que falar sobre eles.

Um comentário:

  1. Obrigado pelas preciosas informações sobre nosso conterrâneo. Não sabia desse flerte com os comunas! Bravo! Continue escrevendo!

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