quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Muitas Cabanagens

Cabano paraense, Alfredo Norfini, 1940.
Um dos acontecimentos mais marcantes da história amazônica foi, sem dúvida, a Cabanagem. Ocorrida entre 1835 e 1840, foi uma revolta que abarcou tanto setores mais abastados da sociedade paraense como os mais populares, muitas vezes considerados marginais, como os tapuias, os negros e etc.
O historiador manauara Luiz Balkar Sá Peixoto Pinheiro, em sua tese de mestrado, tentou analisar o movimento e como ele foi representado na historiografia. Segundo ele, a historiografia sobre a Cabanagem é um rara ocasião onde os historiadores podem explicitar suas posições. Vejamos: logo após o fim da revolta, ainda no século XIX, ela surge nos livros sobre História do Brasil, nos relatos de alguns viajantes e na obra monumental de Domingos Antônio Raiol, Motins Políticos. Bem, como os criadores dos compêndidos de História do Brasil estão diretamente ligados ao Império, classifica o movimento como revolta separatista, enquanto os viajantes, descompromissados com a elite nacional ou regional, enxergam na origem da revolta um ódio secular entre os tapuios, mestiços e negros contra os brancos (demonstrando aqui que estão contaminados ainda com a ideologia racista predominante neste século). Raiol fez uma pesquisa bem detalhista (quase 30 anos de pesquisa), mas seu ressentimento contra os cabanos (seu pai foi morto por eles) o faz ver o movimento como uma horda de bárbaros, sem nenhuma ideologia, nem projeto de governo. Raiol, que era também um nobre (barão de Guarajá), demonstra assim o ideal contra-revolucionário brasileiro, influenciado pelo medo da Revolução Francesa e pela Revolução Haitiana.
Então vem a República, um novo século, e como eles uma nova mentalidade. A força das elites e a autonomia local, concedida pela Constituição de 1891, incentivam o regionalismo. Na mesma época, surge a necessidade de consolidar a identidade da nação brasileira, articulá-la com a história local. E como protagonistas desse empreendimento temos os Institutos Históricos Geográficos, cada um elegendo episódios regionais que ajudaram a construir o país. No caso do Pará, esse episódio será a Cabanagem, mas para tanto será necessário reabilitar a Cabanagem (a influência de Raiol ainda era muito grande) e então temos uma produção histórica, capitaneada pelo desembargador Jorge Hurley, que procura lembrar os altos ideais dos líderes cabanos (liberdade, igualdade, fraternidade no Norte do Brasil) que, infelizmente, foram desvirtuados pela ralé em ódio e morte.
Na segunda metade do século XX, influenciados por uma nota de Caio Prado Júnior, historiadores vinculados ao marxismo decidiram reescrever a história da Cabanagem, que agora passava a ser vista como uma pioneira tentativa de revolução socialista. Os cabanos vindos das camadas sociais mais carentes lutaram para tomar o poder e instaurar um governo popular, de traços comunistas, no Pará. Alguns historiadores viram esse acontecimento como um exemplo de que a sociedade brasileira tem tradição revolucionária sim, enquanto outros o achava a verdadeira prova de que no Brasil não seria possível uma revolução (dado o pouco tempo em que eles ficaram no poder) sem uma vanguarda política, tal qual o modelo leninista.
As rupturas entre as várias correntes historiográficas é mais do que visível, mas Balkar salienta, principalmente, as continuidades. Ora, todos esses historiadores enxergaram o movimento como provocado por uma massa movida com os mesmo interesses - embora vez ou outra admitam que haviam algumas diferenças entre os líderes (a elite) e o resto do movimento (a ralé). Segundo a interpretação de Balkar é aí que reside o problema: os líderes, vindo da elite, entraram na revolta por conta de sua frustração política - não conseguiam apoio do poder central que então se formava, os governadores nomeados eram estranhos á política local - enquanto o povo já havia décadas vivia na maior condição de miséria e exploração, gerando esporádicos conflitos entre a administração provincial, os fazendeiros, comerciantes e os trabalhadores locais. Além disso, dentro do próprio povo, os motivos para se envolver na revolta eram os mais diversos; desde o ódio racial, o protesto contra a corrupção, conflitos religiosos (Igreja Católica x maçons), etc.
Embassado pela história vista de baixo para cima, principalmente por E.P. Thompson e George Rudé, Balkar proclama uma análise da Cabanagem para além da detratação e/ou apologia e que reconheça-o como movimento multi-facetado.

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