Félix Guisard nasceu em 1862 na cidade mineira de Teófilo Ottoni. Filho de imigrantes franceses, entrou para o Seminário em Diamantina, mas teve de sair por ocasião do falecimento do seu pai em 1879. Félix e sua família foram para a Baixada Fluminense, trabalhar em uma das muitas fábricas de região. Guisard possuía conhecimento técnico em máquinas têxteis, incluindo-se em um rol comum na época do qual os industriais e fazendeiros donos de fábricas dependiam muito: o técnico de origem imigrante. Logo foi promovido a gerente.
Um amigo de seminário, Rodrigo Nazareth de Souza Reis, o convidou para visitar sua cidade: Taubaté. Aonde Lobato viu cidades mortas, Guisard viu uma mina de ouro. Já havia toda uma infra-estrutura para a instalação de uma indústria aqui: mão de obra ociosa, vias de comunicação, proximidade com os grandes centros urbanos brasileiros, produção alimentícia variada e poucos empreendedores audaciosos. O jovem gerente então decidiu criar uma fábrica aqui.
Na fundação da fábrica têxtil local, posteriormente chamada de Companhia Taubaté Industrial (C.T.I.), contaram como acionistas Guisard e seus muitos irmãos, uma firma inglesa, Nazareth de Souza, Fernando de Mattos (grande engenheiro e líder político local) e grandes fazendeiros como João Affonso Vieira e Antônio Marcondes de Moura. Fábio Ricci assim classificou a composição social da fábrica: Fazendeiros, 32,8%; Profissionais liberais, 7,0%; capital financeiro local, 12,2%, capital comercial, 12,0%, capital de pequeno industrial, 10,4%; industriários/ poupança familiar, 16,0%; capitalistas locais, 9,6%. Ou seja, ao contrário do que se pensa Félix Guisard não era "O" fundador da C.T.I. A família Guisard só foi obter o controle acionário da empresa com a retirada d ealguns fazendeiros do ramo das ações e a falência da firma inglesa (Edward Ashworth & Cia.), que a controlava antes, a partir da década de 20.
Pois bem, a empresa cresceu em capital e muito, mas Guisard não é conhecido só pelo sucesso financeiro de sua fábrica, mas principalmente por suas obras sociais. Muitas delas seriam incorporadas só 20 anos depois na CLT. Os trabalhadores tinham um turno de 8 horas diárias, nas quais paravam para almoço e lanche. Tanto na entrada na fábrica quanto na saída, o próprio Guisard vinha cumprimentar os trabalhadores e desejar boa sorte. Todo aquele que quisesse reclamar ou denunciar alguma coisa poderia fazê-lo diretamente com ele depois do expediente. Guisard criou ambulatórios, teatros, quadras para esporte, time de futebol e até colônia de férias para os seus trabalhadores em Ubatuba. Além disso contribuiu com grandes doações para o Asilo de Mendigos, o Orfanato Santa Verônica, a construção da Santa Terezinha e etc.
É nessa parte em que surge o x da questão: o que estaria por trás dessas obras: assistencialismo ou filantropismo? Os que defendem a primeira alternativa possuem como argumento a mesma utilização dessa prática por outros industriais do período, tais como Jorge Street ou Francesco Matarazzo, como meio de impedir revoltas trabalhistas e impedir que seus operários, com grande qualificação técnica, saiam de suas fábricas. Quanto á última opção há a seu favor a forte tradição católica da qual ele era credor desde os tempos de seminário em Minas, da qual a caridade é um ponto obrigatório.
Entre esses dois pontos pode existir um meio-termo: tanto o assistencialismo como a filantropia podem ter guiado ás ações do famoso industrial local. Como? Qualquer um que se ocupe de estudar a história da cidade poderá reconhecer que a filantropia é uma prática muito recorrente, principalmente no século XIX e começo do XX. Os motivos podem ser encontrados na escravidão, afinal o senhor de escravos contava com muitos dispositivos para consolidar seu domínio sobre seus escravo; a concessão de certos benefícios aos escravos e a violência dos castigos são dois lados da mesma moeda. Não se sabe porque, mas os fazendeiros do Vale, a grande maioria, adotou a primeira opção. Outro motivo contundente para a prática da caridade pode ser a forte tradição católica na região que a partir da sua romanização no começo do século passado passou a exigir a prática com mais força. Segundo Maria Cristina Soto, a família Guisard, oriunda de Minas e de ascendência francesa, só entrou para o circuito das tradicionais famílias locais através do finaciamento de certas obras assistenciais, adquirindo assim o status delas.
No entanto, o assistencialismo foi uma prática reconhecida pelos industriais do seu tempo como meio de controlar seus trabalhadores, tais quais os antigos fazendeiros do Vale, mas ao que parece Guisard se aproximou mais dos fazendeiros ao exigir que sua imagem fosse parte integrante do dia-a-dia dos seus trabalhadores. Afinal, na fazenda tudo e todos giravam em torno do fazendeiro, desde os escravos até os agregados; aqui, na fábrica, desde o momento em que o operário entra para seu turno até o jornal que lê fora do expediente em tudo está presente o Sr. Guisard.E ele, juntamente com seu filho Félix Guisard Filho, eram mestres em manipular os símbolos sociais que permeavam o cotidiano dos trabalhadores a seu favor: a festas da fábrica e dos sindicatos, os aniversários da família Guisard, o aeroclube local, os filmes selecionados para serem assistido no cinema da fábrica, a disposição da casas da vila operária de forma a serem completamente padronizadas (como a fábrica) e o famoso relógio da CTI que regulava as horas para toda a cidade.O intuito de tais obras era justamente regular a vida do trabalhador, pelo relógio ou pela arquitetura de suas casas, e discipliná-lo, através dos filmes selecionados ou dos grupos escolares da fábrica. O resultado final esperado era sempre a maior eficiência, fruto da qualificação construída pelo industrial através desses meios. E o dispositivo capaz de legitimar essa eficiência era o paternalismo e o personalismo patrocinado pelo industrial.
Com tantas obras e empreendimentos feitos pelo povo e pela cidade, para o bem ou para o mal, não é de se estranhar portanto que quando do seu falecimento, em 1942, Taubaté em peso tenha comparecido ao seu velório (70% da população local estava presente) e que até hoje muitos digam que ele foi seu segundo fundador.
Fontes: A Companhia Taubaté Industrial: a ação social, Rosimeire Santos Figueira. Disponível em: http://www.almanaqueurupes.com/estudos/guisard/cti.html. Acesso: 03 de Abril de 2009.
Pobreza e conflito: Taubaté (1860-1935). Maria Cristina Martínez Soto. Annablume: São Paulo, 2000.
Félix Guisard: capitão da indústria no Vale do Paraíba paulista.In: Origens e aspectos do desenvolvimento da indústria têxtil no Vale do Paraíba paulista, Fábio Ricci, tese de doutoramento apresentado á FFLCH/ USP, 2002.
Félix Guisard: o pioneiro da indústria taubateana, Cláudia Martins. Disponível em: : http://www.almanaqueurupes.com/estudos/guisard/guisard.html. Acesso: 03 de Abril de 2009.
Olá Vinicius,
ResponderExcluirAqui quem está escrevendo é o Glauco do blog República dos Bananas. Vi seu link em um dos comentários e resolvi entrar em seu blog.
Tive a surpresa em ver que você também é historiador ou apaixoando por História como eu.
Gostei desse belíssimo post sobre a CTI e Felix Guisard. Um trabalho que vale a pena ler é o de uma colega minha da Unitau que fez sobre a oratória de Felix Guisard. O prof. Mauro Castilho foi orientador dela.
abraços e continue nos visistando.
vamos adicioná-lo como blog recomendado, ok?