domingo, 3 de fevereiro de 2013

O Velho Oeste manda lembranças


Não é que eu tenha relutado em escrever sobre Django Unchained por preguiça. Simplesmente não estava certo de como começar esse texto, uma vez que tive inumeráveis impressões sobre esse filme. 
Django Unchained ou Django Livre é antes de tudo um filme de Tarantino. Há quem diga que com ele o western ressuscite. Sim, Django (o "d" é mudo) se insere nesse gênero. Entra pela porta da frente para virar tudo de cabeça pra cima. A começar pelo protagonista e seu cenário. Django é um escravo á procura de sua mulher no Sul dos Estados Unidos. E a trilha sonora reafirma: Black Music na área, de Soul á Hip Hop. Nenhum exagero em dizer que a produção se aproxima do blaxploitation, já homenageado por Tarantino em Jackie Brown.
Falando assim pode parecer que Django tenha de western apenas o figurino. Nem tanto, caro leitor. A referência á tradição dos spaguethi westerns está escancarada na adoção do nome do protagonista. Apesar de ser imortalizado na interpretação de Franco Nero como um pistoleiro que enfrenta uma gangue em nome da esposa assassinada, Django é um dos personagens mais plásticos do gênero. A criação de Sérgio Corbucci se tornou lendária, originando, ainda na época, múltiplos filmes. Atores diferentes, enredos diferentes, mas a mesma temática: a busca por vingança.
Passado e presente se encontram no balcão: o Django atual (Jamie Foxx) e o Django original (Franco Nero).

Outro elo com a tradição: a trilha sonora. Se já era evidente que o diretor é apaixonado por faroeste na escolha das canções de seus outros filmes, aqui ele não decepciona: Luis Bacalov, Riz Ortolani e o mítico Ennio Morricone figuram na lista. E não são participações pequenas - cada canção encontra sua cena, uma lição que aprendeu muito bem com Sérgio Leone.
Em Django estamos diante de uma construção meticulosa. Não é só na música que ela se revela, mas no filme como um todo. A calmaria se contrapõem ao frenesi de violência. O humor, como sempre, também está presente e também cumpre sua função: antecipar o próximo estampido. Criticou-se muito a longa duração da produção (e olhe que Tarantino queria prolongar por mais alguns minutos!), mas ela tem sua razão de ser: cultivar a tensão. A viagem á Candyland, por exemplo, é perfeita nesse sentido. Afinal, um filme que não construa e prometa um clímax, prendendo assim o espectador, é digno de ser chamado de "entretenimento"?
Os diálogos polidos de King Schultz e de Calvin Candie são mais um bom exemplo. São bem executados e carregados de informações que não estão ali de graça. O discurso sobre frenologia ou mesmo a referência á descendência do escritor Alexandre Dumas revelam aspectos da história e da História cruciais. Já que estamos falando dos personagens, o que dizer do Django de Jamie Foxx ou do King Schultz de Christoph Waltz? Uma dupla improvável (como personagens e como atores) que se revela forte e coesa, sem apelar para o sentimentalismo. Cada qual, porém , possui seu nêmesis: Candie é o oposto de Schultz, assim como Stephen é o contrário de Django. O rico e sádico fazendeiro interpretado por Leonardo Di Caprio, no entanto, por mais elegante que seja, é um tanto ingenuo, necessitando de seu criado e administrador particular, brilhantemente encenado por Samuel L. Jackson, para abrir seus olhos. Ou seja, juntos são adversários á altura dos nossos dois caçadores de recompensa.

Em meio a tantas interpretações  inspiradas, como de Di Caprio e Jackson, encontramos uma Kerry Washington um pouco perdida fazendo Broomhilda, a esposa de Django. Quero crer que isso se deva á edição e não a atuação dessa bela atriz, uma vez que ela teria mais cenas na versão inicial do filme. Talvez quando lançarem uma edição mais longa da produção em DVD ou Blue-Ray poderemos comprovar isso.
Falávamos do calculismo dessa realização. Pois bem, aí reside um grande "porém". O Tarantino iconoclasta e irreverente sai de cena diversas vezes, abrindo espaço para o Tarantino fã confesso de Corbucci, Leone, Peckinpah, dentre outros. A criatividade que o tornou famoso em Cães de Aluguel (que a propósito, fez duas décadas no ano passado) está mais fraca aqui - o final é prova disso. Creio que pelo peso da tradição que o diretor se filia agora, ainda que seu filme seja um western reinventado.
É natural achar que a novidade seja essa reinvenção, mas isso é uma característica da própria dinâmica desse gênero: lembremos dos spaguetthi westerns, uma leitura ao sabor da cultura italiana (aliando neo-realismo e ópera em alguns casos), ou mesmo de Os Imperdoáveis de Clint Eastwood, inovador na temática (culpa e não vingança movimentam o William Munny de Eastwood numa luta contra o homem da lei para se fazer justiça a prostitutas violentadas).Assim, este é um filme de Tarantino onde percebemos em alguns momentos o dedo de outra pessoa. A estética de seu filme está muito reverente aos seus filmes preferidos. É um deslize perfeitamente compreensivo tendo em vista a qualidade e o peso destas obras.

Só queria salientar mais uma coisa: a História é novamente reescrita por Tarantino, ou melhor, por seus personagens. Ainda que aqui os rumos do mundo não tenham sido definidos pela narrativa, como o foi em Bastardos e Inglórios, a mudança não é tão minúscula quanto se pensa: o protagonista incomoda tanto os brancos por abrir espaço para mais Djangos que, se não aparecem no filme, fica implícito que aparecerão em algum momento. A desumanidade da escravidão é apresentada e ao fim, a vingança de Django representa uma justiça histórica: a Casa Grande é explodida pela senzala. Daí inevitáveis comparações com o filme anterior, mas em Django se enxerga uma consciência histórica muito maior. Logo de início sabemos que estamos próximos da Guerra de Secessão, mas os personagens não sabem disso. Django não esperou pela guerra para lutar por sua liberdade e de sua amada. Para ele o painel não parecia tão esperançoso. O abolicionismo não surge aqui como uma grande causa. O mais próximo dele são as atitudes de Schultz, que não é retratado como uma figura dúbia á toa. Resumindo, ao contrário de Spike Lee, acho que esse filme vale a pena.

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