segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Faroeste Caboco: As balas mandam lembranças II


Faltava ainda uma meia hora para chegar em Rio Preto da Eva. Era sábado de manhã. Pouca gente na estrada, mas ainda assim tinha movimento.
-"Assim você mata o papai. Ai, ai, ai..."
Toninho cantava junto com o rádio. Olhou para o retrovisor. Não queria saber da estrada, só dos cabelos. Entrou em crise sexta porque achou quatro fios brancos. Mas veja só... aquele Opala de novo.
Já passou por ele umas duas vezes. Só se foram dois Opalas diferentes. Não, são muito parecidos.
Decidiu usar o celular, antes que saísse de área.
-Que foi, cara?
-Acho que tão me seguindo.
-Aonde?
-Aqui na estrada pra Rio Preto da Eva. Tem um Opala que tá há um tempão atrás de mim.
-Rapaz, larga disso! Não deve ser nada, deixa de ser paranoico! Se lembra que da última vez que tu ficou assim tu fez merda? Se contr....
Saiu de área.
Tem uma ideia: vai desacelerando. Dá passagem para o carro. O Opala passa lentamente. É um rapaz dirigindo. Parece que está no celular. Distraído o suficiente. Toninho está aquietado, mas ainda desconfiado.
Sempre foi cabreiro. Isso, no seu ramo, lhe ajuda a sobreviver. Mas algumas vezes pode te prejudicar, como aquela vez em que atirou num pedinte que veio bruscamente na direção do seu carro.
Por enquanto, irá continuar nessa velocidade. A ideia é chegar na cidade na hora do almoço. Comer num restaurante por ali no centro e depois ir pro seu sítio, tomar um banho de igarapé. Não, comer no restaurante não. Vai almoçar no sítio. Vai pegar a marmita e almoçar no sítio.
Ele pensando onde almoçar e o rapaz do Opala pensando onde matá-lo. Na cidade mesmo? No sítio? Como fazer isso? Usando o facão do seu tio ou a arma do pai? Será que na hora vai acertar o alvo? O pai lhe ensinou como atirava nos cachorros do mato, mas uma coisa é um cachorro do mato e outra um desgraçado com um três oitão. E vai chegar perto o suficiente para usar esse facão?  Se tiver uma chance poderia atropelá-lo. Seria mais seguro.
Mas não dá. O tio vai perguntar como ele amassou o seu carro. O que dizer? Além disso, podem anotar o número da placa e aí quem se ferra seria o velho. Não, vai ser ou na faca ou na bala. Mineiro vai antecipando esse momento. 
Olha no retrovisor. Ainda consegue ver a caminhonete lá atrás. Precisa arrumar um jeito de chegar ao sítio de Capa Preta. Ele sabe que está indo para Rio Preto da Eva, só não sabe pra que parte. O dono do boteco em frente á sua casa foi muito vago: "Todo final de semana ele vai pra Rio Preto da Eva. Tem sítio lá". Não perguntou mais porque seu interesse repentino pelo matador poderia deixar Janjão cabreiro. O homem só falou porque conhece Mineiro: é rapaz comportado, inofensivo, gente fina. Mas não nesse sábado, não hoje.
A cidade não estava tão cheia, mas o sol estava tinindo. Estacionou o carro na avenida principal, perto de um restaurante. Ficou esperando. A caminhonete está demorando. Talvez ele tenha voltado. Vai ver foi buscar reforço. As dúvidas são suspensas: a picape cinza está oficialmente na cidade. André liga o carro.
Capa Preta vira á esquerda, para no Lanche da Luíza. Entra dando bençãos e elogios á comidinha da dona Luíza e pega um engradado de cerveja. Manobra e corta a cidade. Passa pela réplica do Cristo Redentor, se benzendo. Depois de duas placas, entra numa trilha. Barro puro e mato quase cobrindo o céu. Dois minutos depois, um Opala para no acostamento. Mineiro já sabe onde é. Mas e aí? Entra agora? Estará ele sozinho no sítio? Perguntas, dúvidas. Se continuar pensando não vai conseguir fazer nada. De agora em diante, será puro instinto. Tomara que todos aqueles filmes de ação e os videogames lhe ajudem agora.

Toninho abriu o portão do sítio já com uma latinha na mão. Sentiu um calafrio. O cabelo na nuca arrepiou. Já sabia o que vinha por aí.

(Continua...)

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