quarta-feira, 28 de março de 2012

Humor em luto


Dois grandes nomes do humor se foram nessas duas semanas: primeiro, Chico Anysio e agora, Millôr Fernandes.
Chico já penava há muito tempo num ostracismo que se agravou com uma doença no pulmão. A verdade é que ele tinha comprado uma briga com um dos ban bans da Globo e por isso ficou longe da TV por tanto tempo. A nós, seus fãs, restavam as reprises da Escolinha do Barulho ou Chico Total que começaram a passar na TV a cabo ou mesmo alguns vídeos antigos que por ventura pudéssemos encontrar no Youtube. Me surpreendeu a iniciativa da Globo de produzir para ele um especial no ano passado. Lá estavam os velhos personagens, o que muito me alegrou. Mas o estado de Chico já demonstrava o quanto abalado ele estava, o que me impressionou muito.

Quanto á Millôr, não sei nem como começar. Desde os 14 anos, quando descobri a obra desse gênio me tornei um fã incontestável dele. Millôr não era apenas um humorista, mas um intelectual. Um intelectual completo como disse Ricardo Boechat. Envolvido na imprensa desde cedo, por meio de suas charges, desenvolveu um estilo todo seu. Um estilo descontraído e sofisticado. Um estilo que não se intimidava com novas ou antigas mídias: seja no jornal, no desenho, no teatro, na literatura, na revista, na pintura ou mesmo no twitter. Sem falar de seu trabalho como tradutor, nos deixando traduções primorosas de clássicos da literatura e do teatro. Ah, falando em teatro, o que dizer da peça que escreveu junto com Flávio Rangel, Liberdade, Liberdade? Um manifesto impressionante contra a ditadura militar, unindo uma crítica ácida, história e humor.
Enfim, Millôr se encontrava nos últimos tempos no seu recanto perto do Arpoador. Sofreu um derrame, mas conseguiu se recuperar. Claro que não conseguiu retomar o mesmo ritmo de produção que tinha antes, mas continuava antenado. Millôr nunca fez questão de ser capa de revista, mas mesmo assim era famosíssimo. Principalmente nas esferas intelectuais, para quem ele era símbolo do cult nacional. Sempre vi nessa atitude uma espécie de egoísmo, como se Millôr fosse próprio só para intelectuais, o que não é verdade. Millôr falava do cotidiano, de coisas que afligiam qualquer brasileiro. Por isso uma das coisas que me angustia é que  a maioria de nós ainda desconheça esse grande escritor.
Diante da notícia do falecimento de Millôr a manifestação mais comum foi: "quem é esse cara?" Isso me deixou com um nó na garganta. Na mesma hora vinha a vontade de dizer, "esse cara é um dos maiores intelectuais do Brasil, o cara que domina o humor, o teatro e a literatura sem nenhum pedantismo!" Mas não adiantaria muito. Acredito que a melhor solução para esse impasse seria apresentar ao desavisado o próprio Millôr, seja através de suas frases ou mesmo de seus desenhos.
Passando esses últimos dias em revista me assustei com a rapidez com que grandes brasileiros estão se indo. Não sei se isso é um dos sinais de que 2012 é o final dos tempos, como alguns já suspeitam. Mas de uma coisa eu sei: não há nada melhor que possamos fazer em homenagem á esses ícones do que explicar porque eles são ícones. Não é a morte que mata, mas o esquecimento. Se queremos um Brasil melhor, não podemos nos esquecer de Chico e Millôr.

Nenhum comentário:

Postar um comentário