terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Nuvens negras sob São Paulo

Foto: Marcos Bezerra.
Não tinha como não ficar sabendo do que aconteceu na apuração de votos das escolas de samba de São Paulo. Apareceu na TV, no Facebook, no rádio, em todos os lugares. Logo me vi  impelido a comentar tal fato. Em primeiro lugar, vamos entender o que aconteceu. Bem, entender eu acho que ninguém entendeu muito bem, então vamos fazer um esforço. Estava a apuração de votos acontecendo com a Mocidade Alegre á frente de todos e a Império de Casa Verde logo atrás, no quarto lugar. Do nada um cara vazou a corrente da segurança, pulou sobre a mesa dos jurados, roubou os votos e os rasgou, fugindo logo em seguida.

O bonitão aí, até onde se sabe, é um dos integrantes da Casa Verde, membros da diretoria inclusive, segundo informações confiáveis (boatos). Se só fosse isso já seria bizarro. Imagine então toda a torcida dos Gaviões da Fiel avançando contra os jurados, o cerco de seguranças e o pessoal de outras escolas. Começou o maior quebra-pau. Para completar, alguém ateou fogo nos carros alegóricos da Pérola Negra e logo uma nuvem de fumaça se levantou no meio da cidade. Com a devida licença poética, essa nuvem negra manchou a cidade.

Preso e interrogado o cara teria dito que fez o que fez porque tinham feito um acordo com os jurados de que nenhuma das principais escolas sairia do Grupo de Acesso. Acontece que dois jurados saíram e seus substitutos não sabiam do trato, dando a vitória para Mocidade Alegre e eliminando a Império de Casa Verde do Grupo de Acesso do ano que vem. Que beleza! Maracutaia na banca de jurados. E até parece que é novidade... Todavia, o "pequeno protesto" do homem incitou um quebra-pau e um incêndio.
Agora me pergunto: o que está havendo de errado? Ora, é normal acontecer desentendimentos no carnaval. Afinal, é uma festa onde o álcool e a farra costuma falar mais alto. Mas nunca um desentendimento dessa proporção. O sujeito não aprecia estar embriagado, assim como boa parte dos torcedores da Fiel. O que aconteceu então? Simplesmente a revolta de terem perdido? Creio que sim. Mas competição de escolas de samba é assim: alguém ganha e alguém perde. Não é a primeira vez que a Casa Verde perde.

A impressão que tenho é que cada vez mais perdemos a esportiva. Não me refiro somente á competições carnavalescas, mas á tudo em geral. Como se o time perder, não se classificar no vestibular ou levar um fora da garota fossem o fim do mundo. As coisas estão muito radicalizadas ultimamente: ou é oito ou é oitenta. Tudo tem de ser levado ao pé da letra. Tudo menos a política poque todos já se desencantaram com a política.
Mas acho que não foi só isso. Acredito que haja dentro de muitos um sentimento de frustração que acaba em revolta, mas uma revolta que não pode aflorar no dia-a-dia. Deixemos então ocasiões onde nos é permitido liberá-la, como no final de semana ou no carnaval, para extravasar. Ás vezes não precisa nem ser numa data certa, basta encontrarmos um gancho e vamos adiante. O caso da Geyse Arruda é um exemplo. Também tem acontecido muito isso na internet, perseguição á pessoas que são acusadas de terem feito algo hediondo. Rapidamente se consegue um número considerável de pessoas atacando o indivíduo e em breve travando sua conta na web ou coisa parecida.

Em outras palavras não direcionamos nossa raiva para um único objeto. A guardamos, a alimentamos e quando encontramos um alvo perfeito pela frente descemos o lenho nele. Com tanta informação em tão pouco tempo sempre há alguma infame personalidade ou fato para ser atacado. Ora, o próprio caso da baderna na apuração dos votos foi o bastante para que fossem colocados no saco todos os corintianos e reafirmados velhos preconceitos contra eles na internet.
Claro que não é uma situação exclusiva da cidade de São Paulo, apesar de que acredito que esse incidente tenha uma particularidade. Em São Paulo, uma cidade rica, formal e muitas vezes estressante, a frustração com certeza é maior. Por isso não me admiro que casos de espancamentos de homossexuais, mortes de mendigos e brigas entre torcidas organizadas aconteçam nessa metrópole. Não estou com isso querendo dizer que a capital paulistana é um viveiro de vândalos, não. O que quero dizer é que aqui há com certeza um nível de estresse e de acobertamento desse estresse muito maior. Freud já dizia: quanto mais você reprimir suas neuroses, com mais força elas voltarão.

E em se tratando de neuroses as grandes cidades brasileiras são campeãs nisso. Engarrafamento, trabalho desgastante, má condição de moradia, péssimo transporte coletivo, falta de luz, etc. Tudo isso se une num caldeirão de descontentamento. O divertimento passa a ser o combustível de todos, mas quando se ameaça cortar o seu fornecimento aí a porca torce o rabo. Ao invés de procurar dosar ou negociar nossas paixões entramos logo na defensiva, melhor, na ofensiva.
Pode ser que eu esteja divagando demais, pode ser que sejam apenas psicologismos fajutos os que estou evocando aqui, mas é a minha sincera opinião sobre tudo que está acontecendo. Uma opinião que eu forjei depois de me inquietar com a violência e discutir com pessoas que também se interessam em entender esse fenômeno. Não é o espelho da verdade o que estou afirmando aqui, mas acredito que posso ter acertado pelo menos um pequeno, minúsculo fragmento dele aqui.

Gostaria de encerrar como de costume com uma impressão e uma provocação. Não é por acaso que o vandalismo é também conhecido como violência gratuita. É assim, em pequenas explosões, que nós tentamos nos manter saudáveis. O problema é que não percebemos que esse é um círculo vicioso: quanto mais explosões, mais pessoas envolvidas e daí é um passo até chegarmos á explosões maiores. Uma má nota num desfile de escola de sambas é motivo para uma guerra civil? Quem sabe, em alguns anos será.

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