sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Senghor

O texto abaixo é apenas um fragmento de um ensaio escrito por Ieda Machado Ribeiro dos Santos para o site do movimento literário Quilombhoje. O texto na íntegra pode ser encontrado aqui.

LEOPOLD SÉDAR SENGHOR
(1906-2001)

Ieda Machado Ribeiro dos Santos

Introdução
Certo dia, eu saía para trabalhar quando a vizinha me chamou:

— Espere, Ieda. O Dr. Fulano vai para o Campo Grande e pode lhe dar uma carona.

O Dr. Fulano era um senhor grisalho, muito cheio de mesuras e gentilezas.

— Professora, estou encantado em conhecê-la. Soube que a senhora sabe tudo sobre a África.

— Ninguém sabe tudo sobre nenhum assunto — retruquei.

Mas ele não deu nenhuma importância à minha interrupção porque, de fato, aquilo era um mero preâmbulo à cretinice que veio logo em seguida.

— Já que a senhora sabe tudo sobre a África, não acha que, sendo o cérebro do negro comprovadamente menor do que o do branco, ele é, naturalmente, menos inteligente?

Confesso que me senti tão irritada quanto vocês estão se sentindo agora, ao ler esta idiotice. Mas parece que o velho Oxalá jogou o seu alá sobre mim e eu permaneci bastante calma, respondendo com outra pergunta:

— O senhor já ouviu falar em Léopold Senghor?

— Não, nunca ouvi.

Então eu comecei a falar sobre Léopold Sédar Senghor, africano, filho de pai e mãe africanos (porque se for mestiço eles dizem que a inteligência vem do lado branco). Contei como Senghor, muito jovem, lecionou francês, na França, aos franceses. Que ele era membro da Academia Francesa de Letras, vencendo todos os escritores franceses que competiram com ele. Que ele era traduzido para o alemão, o japonês, o inglês e até para o português. Que ele era Doutor em Honoris Causa em mais de 20 Universidades do mundo inteiro, que havia ganho mais de 15 prêmios internacionais de poesia... E, como se tudo isso não bastasse, era um grande estadista, respeitado no mundo inteiro.

Chegando ao nosso destino, mais ou menos uns dez minutos depois, o Dr. Fulano admitiu:

— A senhora me convenceu.

Ao que respondi, com ironia:

— E com um crioulo só.

Gosto de contar essa história como demonstrativo da fragilidade do racismo e também de que, às vezes, uma argumentação tranqüila e bem fundamentada funciona melhor do que nossos gritos de cólera, embora essa cólera seja mais que justificada.

Mas, quando começo a escrever sobre Senghor, vejo que toda a sua vida foi exatamente isto: negar, e não apenas para os brancos, como querem os seus inimigos, mas para os próprios negros, principalmente os negros da diáspora, quanta falácia foi escrita e "cientificamente comprovada" sobre nossa inferioridade intelectual, sobre não termos História, Civilização ou Cultura. (...)


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