quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O choro de Raoni

Em 1 de junho desse ano, junto com a mensagem de que o IBAMA tinha concedido a licença ambiental para a construção da Usina de Belo Monte, foi divulgado na mídia uma foto do Cacique Raoni chorando, ao saber da notícia. Raoni teria desmentido tudo no seu site alguns dias depois: "Eu não chorei por causa da autorização de construção e o começo dos trabalhos no canteiro de obras de Belo Monte. O tanto que eu viverei, eu continuarei a me bater contra essa construção (...) será a presidente Dilma Rousseff que chorará, eu não. Eu quero saber quem deu essa foto e propagou essa falsa informação (...) será preciso que a presidente Dilma me mate em frente ao Palácio do Planalto. Lá, somente, vocês poderão construir a Barragem de Belo Monte".
Alguns dizem que a foto foi tirada em 2002 durante o funeral de Orlando Villas-Boas, outros, contudo, alegam que Raoni estava participando de um ritual em homenagem á todos os falecidos da comunidade. Em todo caso, mais uma confusão da internet. Mas, quero aproveitar a oportunidade e discutir a tensão que a construção de uma usina hidrelétrica anda gerando não só na região em que vai ser implantada, mas também na mídia (principalmente internacional).
O projeto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte já é antigo, foi criado na ditadura militar, contudo não foi implantado por conta das tensões acirradas que gerou. Raoni, líder da etnia Kaiapó, foi fundamental nesse processo: através de protestos nacionais e internacionais, o velho chefe conseguiu convencer o todo-poderoso Ministro da Viação e Obras Públicas, Mário Andreazza, a engavetar Belo Monte.
Durante o governo Lula o projeto foi ressuscitado. Por quê? Quando o novo presidente do Paraguai, Fernando Lugo, assumiu o poder começou a atacar a quantia injusta de energia que a Usina de Itaipu (construída no Rio Paraguai pelo Brasil em cooperação com o país vizinho na década de 1970) destinava á seu pais - quase que 90% da energia vinha para o Brasil. Com medo de perder uma das fontes de energia mais preciosas, o governo começou a pensar em outras soluções. Energia eólica? A produção de energia não é tão regular e abrangente assim. Energia nuclear? Apesar de Angra III está sendo construída, a tendência é não investir tanto em energia nuclear, por conta dos gastos excessivos e do perigo ao meio-ambiente. A solução, para o governo, deveria ser uma usina hidrelétrica. Belo Monte por Itaipu: elas por elas.
Não que Itaipu passe a ser somente dos paraguaios, mas ter uma outra usina complementando a energia é uma medida de segurança. E agora o projeto ganharia um bom argumento: a busca por energias limpas. No entanto, o impacto ambiental que a construção dessa usina no interior do Pará pode produzir é enorme. Não só o impacto ambiental como também social: comunidades indígenas do Xingu e ribeirinhos teriam de ser transferidos para outras áreas. O Parque do Xingu foi construído na década de 1960 com a ajuda dos irmãos Villas-Boas, reunindo diversas etnias, muitas transferidas de seus locais de origem por conta de conflitos de terra e de construção de rodovias. Os povos que acostumaram a viver ali teriam de ser transferidos para outra localidade, ainda incerta.

O governo diz que a Usina trará empregos para a região, principalmente para a cidade de Altamira, e que as transferências e indenizações serão feitas com cuidado, sem falar que os impactos ambientais não serão tão grandes assim. O problema é que a população pobre local suspeita que as mudanças serão boas para um pequeno círculo de pessoas (alguns empresários locais) e não para toda a comunidade, como sempre vem acontecendo no interior do país. Principalmente quando essa mudança implica em destruir o modo de vida dessa comunidade. Não se sabe ainda para onde serão transferidos e se isso realmente vai ser feito direito, com indenização e tudo mais. Para a comunidade indígena a questão se torna mais problemática ainda, já que a mudança seria muito radical: após décadas vivendo naquelas terras teriam de se mudar mais uma vez, certos de que serão explorados fora das reservas.

Raoni descobriu há muito tempo que a melhor maneira de se ganhar uma batalha hoje é ganhar a opinião pública. Por isso, há mais de 20 anos vem divulgando a causa indígena e os problemas que ela vem encontrando no Brasil principalmente no exterior. Raoni tornou-se conhecido, aliás, por participar de turnês com o cantor Sting, quando este participava de uma campanha dos direitos humanos internacional. O que é bizarro é justamente isso: Raoni é mais famoso lá fora que aqui dentro. Penso que isso demonstra a própria falta de interesse do brasileiro com a questão indígena. Muitos ao assistirem as notícias nos jornais sobre as manifestações contra Belo Monte não entendem o porque disso tudo, afinal é só uma usina.
Por outro lado, a opinião pública internacional se interessa com a questão indígena só até certo ponto. Ainda se enxerga o indígena com aquele exotismo. Convidar Raoni para falar na França sobre a questão indígena, ao meu ver, é uma estratégia do governo francês de propagandear uma imagem de que é multicultural e tolerante, apesar de proibir que as mulheres muçulmanas utilizem véu e que comunidades ciganas sejam restritas á determinados guetos. Na hora de pressionar o governo brasileiro para procurar outra alternativa para Belo Monte, nenhum país "simpático" á causa indígena se manifesta. Vimos á pouco tempo o diretor James Cameron defender o fim de Belo Monte. Uma iniciativa um tanto isolada e suspeita (afinal, ecologia se tornou palavra de ordem, justificando até certos imperialismos).
Reforma agrária, questão indígena, ecologia e crise energética: tudo parece se embolar quando se trata de Belo Monte. Uma solução adequada, contudo, ainda não foi achada para essa série de impasses.

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