quarta-feira, 20 de julho de 2011

Paz, Amor e Música!

O Festival de Música de Woodstock, em 1969, é tomado como um dos momentos mais emblemáticos do século XX. Numa cidade do interior do EUA se reuniram hippies, defensores dos direitos dos negros, militantes pacifistas e admiradores do rock. Naqueles três dias de música uma geração parece ter sido reinventada.

Em 2009 uma série de medidas foram feitas para se comemorar os 40 anos desse evento tão marcante. Uma delas foi um filme: Aconteceu em Woodstcok. Coube ao diretor Ang Lee a tarefa de levar ás telas o evento. Como falar de Woodstock sem cair no clichê do "marco da contracultura"? Ele realmente foi um marco, mas tem se falado tanto de Woodstock que temos já uma imagem cristalizada do que foi. um filme que comece num lugar-comum não tem, portanto, nada de novo ou original para mostrar. Como falar de Woodstcok de uma maneira diferente?

Elliot Tiber no ano do Festival.
A saída foi Elliot Tiber. Esse personagem esquecido, talvez ofuscado pelas estrelas que subiram naquele palco (como Janis Joplin, Jimmi Hendrix, etc.), foi um dos maiores responsáveis pelo evento. A equipe do evento não conseguia arrumar um lugar para o show. Incomodados e com medo da platéia que viria para o festival, muitas pessoas exigiam que o show fosse fora de sua comunidade.

Elliot Tiber em 2009.
Elliot era um rapaz com seus 30 anos que além de ser presidente da Câmara de Comércio de sua cidade, ajudava também os pais a consertar seu hotel, com medo de perderem sua hipoteca. Mas Elliot, nas horas vagas, se dedicava a incentivar produções artísticas (ele costumava pintar e ofereceu o celeiro de sua mãe como palco para um grupo de teatro experimental) e, podendo conseguir uma licença para o show por conta de seu cargo na comunidade e ansioso por pagar a hipoteca dos pais, decide oferecer seu terreno como cenário para o show.
Michael Lang (Jonathan Groof), responsável pelo festival, e Max Yasgur (Eugene Lévy), dono da fazenda.
Infelizmente, pelo terreno possuir um lago e um brejo, os empresários decidem que não seria ali. Mas Elliot sabe onde eles podem encontrar um terreno melhor: a fazenda de seu amigo Yasgur, que também gosta da música que eles trariam para a cidade. Fica decidido que o show seria ali então. Desse momento em diante Elliot tem que lidar com a desaprovação da comunidade local, que teme os hippies e sua "indecência", e com as novas tarefas que vão surgindo no hotel de seus pais.

O palco do Festival de Woodstock.
Nunca foi dado os devidos créditos á Elliot Tiber por ter conseguido achar um local para o evento. Em entrevista recente, ele afirma que talvez isso tenha acontecido porque ele é homossexual e ainda se tem um certo desconforto em dizer que foi "um gay que salvou Woodstock". A história veio á tona quando ele escreveu um livro há quatro anos atrás. O livro caiu nas mãos de Ang Lee. Ali havia uma oportunidade de explorar Woodstock de uma nova maneira.
O pai (Henry Goodman) e a mãe (Imelda Stanton) de Elliot (Demetri Martin) durante uma conversa.
Ang Lee é um diretor que gosta de abordar assuntos familiares e na história de Elliot havia uma tensão entre ele e seus pais. Afinal, o rapaz tinha um pai caladão e meio indiferente e uma mãe neurótica que só pensava no dinheiro. Era uma família disfuncional. Elliot aceitou cuidar de seus pais como uma penitência, como uma sentença que parecia que nunca teria fim. Além disso, ele era homossexual e achava que isso o transformava em uma pessoa anormal. No meio de uma comunidade interiorana e dentro de uma família meio desestruturada, Elliot procurava esconder sua identidade com medo das represálias. Resumindo, Elliot eraum sujeito trabalhador, mas reprimido, seja pela sua condição de homossexual ou pelas suas obrigações familiares.

Elliot (Demetri Martin) tendo uma "viagem" com um casal hippie.
Quando o pessoal de Woodstock chega na cidade parece que as coisas mudam de ângulo. Elliot está agora no meio de pessoas que não se importam se ele é gay, ao contrário, o aceita. Essas pessoas são livres para fazerem o que quiserem e quando quiserem. Enxergam o mundo a partir de uma nova perspectiva, algo mais abrangente e harmonioso. E Elliot gosta de tudo isso. Ele pode sentir que está realmente vivendo, está aproveitando a sua vida sendo ele mesmo.
A história de Elliot nos ajuda a entender o real peso de Woodstock na história dos EUA: foi um momento, no meio de uma época de guerra, em que se cultuou o amor e a paz. A liberdade era palavra de ordem. A liberdade permitia que as pessoas vivessem realmente, se libertassem um pouco do medo e da indiferença que vinha dominando o mundo com a Guerra Fria. Foi essa proposta, essa atmosfera, que mudou Elliot para sempre. Elliot passou a viver, assim como seu pai, antes moribundo, foi revitalizado, como confessa no final do filme. Claro que alguns conflitos e tensões não foram resolvidos - como a sua relação com sua mãe. Mas sua vida mudou radicalmente.
Ang Lee
Ang Lee é especialista em abordar assuntos familiares e outros tidos como "triviais" de uma maneira natural e precisa e é o que ele faz. A relação entre Elliot e seus pais é muito natural e realista, assim como também são as relações com a sua comunidade. A interpretação dos atores aqui ajuda e muito (principalmente do comediante Demetri Martin como o protagonista e de Imelda Stanton como a mãe dominadora). A maioria do elenco está impecável porque eles souberam como construir seus personagens. Infelizmente, muitos personagens não foram bem explorados pelo filme (como o travesti Vilma, o fazendeiro Yasgur, o amigo de Elliot, Billy, etc).
Mas esse defeito não deve eclipsar os acertos. Muitos vão dizer que as imagens do show, dos cantores, não terem sido aproveitadas é outro defeito. Mas acredito que essa atitude faz parte da estratégia de ver Woodstock de uma maneira diferente. Por falar nisso, a fotografia do filme (que ficou á cargo do francês Eric Gautier) está excelente. Ela não abusa do psicodelismo, tenta retratar tudo de uma maneira sóbria, ela segue o realismo que Ang Lee queria dar ao filme.

O resultado é que temos um filme realmente original. Não diria que é um épico, mas é um grande filme. Consegue ter a grandiosidades dos estúdios cinematográficos e a profundidade de um filme mais independente. Muitos irão se identificar com Elliot e entender porque Woodstock foi tão importante para uma geração inteira. Como disse um crítico de cinema, ao final do filme você também vai querer ser hippie. Sinal de que a mensagem do filme foi bem transmitida. Recomendo para os interessados em História e para os admiradores de um bom filme. Namastê!

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